No evento “Diálogos Infra”, promovido pelo Tribunal de Contas da União, o Secretário de Fiscalização e Infraestrutura Rodoviária e de Aviação do órgão, Luiz Fernando de Souza, falou sobre a evolução da jurisprudência do Tribunal sobre a “contratação integrada”, com uma mostra dos acórdãos mais representativos onde são citados problemas como elaboração de projeto com requisitos inferiores aos do anteprojeto, anteprojeto com soluções impróprias e antieconômicas e aditivos ilegais. Ele também citou alguns casos exitosos. O evento ocorreu na sede do órgão, em Brasília, em 28 de junho, e contou com o apoio de diversas entidades de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia, entre elas o CAU/BR, o CONFEA, a ANETRANS e o SINAENCO.
Uma reflexão sobre o assunto é importante no momento em que a Câmara dos Deputados discute a nova Lei de Licitações, cujo projeto prevê a incorporação e ampliação da modalidade de “contratação integrada” pela União, estados e municípios, para obras e serviços com valores acima de R$ 10 milhões. A modalidade permite a contratação da obra pública com base em um simples anteprojeto, ficando por conta da empreiteira vencedora a elaboração dos projetos básico e executivo. Outra modalidade igualmente prevista no projeto da nova Lei de Licitações é a “contratação semi-integrada”, em que a licitação é feita a partir de projeto básico. O projeto já foi aprovado pela Câmara mas ainda há condições da “contratação integrada” ser rejeitada em Plenário.
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Informe-se também sobre palestra dada no mesmo evento pelo advogado Henrique Savonitti Miranda, especialista em licitações públicas:Contratação integrada comparada no mundo: o Brasil na contramão da história
Segundo o Secretário Luiz Fernando de Souza , o novo aeroporto Afonso Pena, de Curitiba, foi o primeiro caso de maior expressão que o Tribunal analisou, gerando o acórdão 1510/2013, que procurou dar uma orientação de como utilizar a modalidade e em quais casos ela poderia ser usada. Foram elencadas uma série de condições:
- necessidade de justificativa técnico-econômica para sua utilização, à luz da legislação, que dizia que ela deveria ser economicamente mais favorável em relação aos outros regimes que estavam postos, e além do mais ela deveria trazer um ganho técnico para a administração na sua utilização
- a necessidade de motivação acerca da inviabilidade de parcelamento, isso um pouco por conta da característica dessas obras como terminais aeroportuários, que tem uma quantidade de equipamentos, por exemplo, pontes de embarque, que normalmente poderiam ser contratadas em separado já que o fornecedor é específico pra esse tipo de serviço
- necessidade de matriz de riscos (nesse caso específico não havia matriz de riscos)
- necessidade de observância aos requisitos do Artigo 20 Parágrafo 1º do texto original da lei 12.462/2011 do RDC (Regime Diferenciado de Contratação Pública) que criou “contratação integrada” A versão original da lei, trazia em seu Artigo 9º que, no caso da integrada, o critério de julgamento seria técnica e preço. E aí isso remetia para o Artigo 20º, que complementava, dizendo que ela deveria ser utilizada nos casos de objetos de natureza predominantemente intelectual e de inovação tecnológica ou técnica ou que possam ser executados com diferentes metodologias ou tecnologias de domínio restrito no mercado. (A redação inicial, no entanto, foi modificada, e o critério de julgamento de técnica e preço foi abolido, e as condições do objeto de natureza intelectual de diferentes metodologias foi trazido para o corpo do artigo 9º, que passou a dizer que objeto deve envolver pelo menos uma das seguintes condições: inovação, possibilidade de execução com diferentes metodologias).
O caso do aeroporto da capital paranaense não atendia esses requisitos, o que gerou uma grande discussão de todas as contratações integradas, surgindo daí o citado acórdão 1510/2013. Além disso, exigiu-se que o projeto de arquitetura fizesse parte do anteprojeto para as obras de edificação, já que ele determina, no caso de obras civis e de edificação, todos os outros projetos.
Exigiu-se ainda a necessidade de estimativa de preço baseada em orçamento tão detalhado quanto possível, e que aquelas parcelas que fosse possível detalhar ele realmente tivesse uma acurácia maior, para tentar chegar em um preço mais próximo do real do que se queria. “Até porque eventualmente na contratação integrada, por aumentar os riscos você está se propondo a pagar mais, você deveria tentar chegar a um orçamento mais próximo possível do real, sob pena de se não houvesse uma competição na licitação, você está pagando um preço muito caro, bem acima do que ele eventualmente seria correto. E uma melhor justificativa para o balanceamento das notas de técnica e preço já que esse era o modo de competição a época”, afirmou o Secretário de Fiscalização e Infraestrutura Rodoviária e de Aviação do TCU.
A partir de então, informou Luiz Fernando de Souza, o TCU começou, nos casos em que ele analisava, em tentar definir ou reforçar essas condições para a utilização da “contratação integrada”.
Um dos casos foi a construção do Ramal do Agreste Pernambucano, objeto do acórdão 1850/2015, que tratou mais especificamente das justificativas técnicas e econômicas. Na parte econômica, o Tribunal recomendou que a administração deve demonstrar em termos monetários que os gastos com a implantação do empreendimento devem ser inferiores se comparados aos obtidos em demais regimes de execução. E na parte técnica, recomendou que as características do objeto permitam que ocorra real competição e o emprego das metodologias e tecnologias distintas, trazendo soluções capazes de serem aproveitadas pelo poder público.
Avançando nessa linha, veio o caso do Porto de Rio Grande, objeto do acórdão 1388/2016, que especifica que a opção pela “contratação integrada” deve ser fundamentada em estudos objetivos que a justifiquem técnica e economicamente, bem como considerem a expectativa e vantagens quanto à competitividade, prazo, preço e qualidade em relação a outros regimes. As vantagens e desvantagens dos regimes devem ser quantificadas mediante análise comparativa e contratações já concluídas ou outros já disponíveis. Quando justificada com base na execução por diferentes metodologias, é obrigatória a inclusão de critérios objetivos de avaliação e julgamento de propostas que contemplem essas metodologias.
Em sua opinião, o Secretário julga que o acórdão “foi muito feliz” por oferecer à empresa a oportunidade de fazer um projeto mais arrojado e qualificado, com resultados que podem ser capturados pelo poder público como prazos menores e obras com melhor custo de conservação melhor. No entanto, ele lamenta: “Desconheço até hoje algum caso em que isso tenha sido explorado. Eu acho que essa foi a grande ideia da contratação integrada quando ela surgiu: trazer a expertise das empresas para ganho do poder público, mas não conheço um caso em que isso tenha ocorrido”.
Ao fazer um resumo sobre alguns problemas que o Tribunal enfrentou em casos de uso da contratação integrada, Luiz Fernando de Souza ressaltou em primeiro lugar a elaboração de projeto com requisitos inferiores aos do anteprojeto. “Ou seja, essa palavra não existe, mas seria a “pessimização” do projeto em vez da otimização pretendida. Cito como exemplo o caso da BR 381 em Minas Gerais, objeto do acórdão 1671/2014. Foi executado um projeto mais sinuoso, com curvas mais perigosas e mais fechadas: em um dos lotes, foram constatadas 20 curvas com raio menor que o mínimo. Nesse mesmo lote, houve um aumento de 47% na quantidade de rampas, com inclinações superiores ao máximo permitido. Em outro lote, cruzamentos em níveis diferentes foram substituídos por rotatórias”. As obras acabaram sendo paralisadas. No entanto, dois túneis de 1240 metros de extensão, também licitados por “contratação integrada”, foram concluídos sem problemas em 2015, mas só tiveram condições de ser inaugurados em 2019, para uso apenas em pista simples, pois falta concluir o restante da rodovia.
Outro problema comum: anteprojeto com soluções impróprias e antieconômicas. “Esse é o caso da BR 415 na Bahia. Todas as piores hipóteses foram adotadas como premissa para precificação da obra. Coisas como a utilização de betoneiras para confecção de um grande volume de concreto em pontes; previsão de tubulões a ar comprimido em locais onde não tinha nível da água alto, portanto desnecessários. “Ou seja, o anteprojeto era um orçamento muito mais caro que o orçamento real da obra. E aí saiu no acórdão esse alerta: que na elaboração do projeto pela contratada, as soluções devem ter desempenho pelo menor superior àquelas do anteprojeto”. Isso está nos acórdãos 865/2017 e 2777/2018.
Por fim, um outro problema é o de aditivos ilegais. “Em um dos casos, a matriz de risco previa que a alteração de quantidades devido à elaboração dos projetos bem como interferências ocorreriam por conta do contratado. No entanto, foram realizados aditivos para serviços extras, como “desvio de redes de esgotos” e “demolição de edificação existente”, o que não estava correto”. Isso consta no acórdão 622/2018.
Quanto aos casos em que a “contratação integrada” deu resultado, o Secretário citou a ponte do Rio Guaíba. “Vale aqui comentar que a solução do anteprojeto foi modificada e trouxe uma solução bem interessante e diferente que eu acho que atendeu um pouco ao espírito do regime, que é você trazer inovações. Por exemplo, toda a ponte foi feita pré-moldada no canteiro e as peças estão sendo levadas para suas posições finais. Além disso é uma solução bem interessante. Em um relatório de autoria, alertamos apenas sobre um ponto, questionando qual a vida útil dessa estrutura, já que ela se mostra uma estrutura bastante esbelta”, afirmou Luiz Fernando de Souza.
Confira abaixo a apresentação completa do do Secretário Luiz Fernando de Souza, a partir do minuto 34:43
Veja ainda:
Documento do CAU/BR e demais entidades de Arquitetura e Urbanismo “Em defesa da ética, do planejamento e da qualidade das obras públicas
Tudo sobre a tramitação da nova Lei de Licitações