A reforma do marco legal do saneamento básico proposta pela Medida Provisória 844/18, publicada dia 9 de julho no Diário Oficial, “é uma afronta ao desenvolvimento saudável de nossas cidades por sobrepor o interesse das empresas que operam no setor do saneamento básico ao interesse público”, no entendimento do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil. Segundo manifesto da entidade, a MP fere a autonomia municipal ao impor aos municípios o chamamento público para demonstração de interesse do setor privado na prestação dos serviços. Hoje eles têm liberdade para decidir entre a operação direta, contratada ou consorciada com vizinhos.
Na prática, diz o manifesto, o interesse das operadoras privadas se fixaria apenas nos municípios com maior área de cobertura, ou seja, com condições de superávit, o que representa apenas 10 por cento dos mais de 5.500 municípios brasileiros, de acordo com a ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental). “Os municípios menores, em geral mais pobres, por serem deficitários ficariam ao encargo das companhias municipais e estaduais, o que dificulta a prestação de serviços de forma regionalizada e inviabiliza o uso de subsídios cruzados”.
“Em prol da cidade saudável, o CAU/BR defende uma política pública de saneamento básico, com visão regional e nacional, que proporcione tratamento isonômico aos municípios brasileiros”, afirma o documento, lembrando que o acesso universal e equitativo à água potável e à coleta e tratamento de esgoto são direitos humanos inalienáveis. “Além de fundamental para a saúde pública, a infraestrutura de saneamento é um importante elemento para a organização das cidades”.
A ementa da MP diz que o objetivo da reforma é “aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País”. Paradoxalmente, no entanto, lembra o CAU/BR, a proposta dispensa o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) como condição de validade dos contratos de prestação de serviços. “Entendemos que o planejamento no setor é condição básica em um país onde 35 milhões de pessoas (16,7% da população) não conta com água potável em suas moradias, mais de 100 milhões (48,1%) não tem acesso à coleta de esgoto e apenas 44,9% do esgoto gerado é tratado, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), referentes a 2016”.
Eis a íntegra da “Manifestação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo sobre a Medida Provisória do Saneamento Básico”:
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil acompanha com enorme preocupação a reforma do marco legal do saneamento básico do país proposta pelo governo federal através da Medida Provisória 844, assinada em 6 de julho de 2018 pelo presidente da República, cuja íntegra foi divulgada pelo Diário Oficial da União em 9 de julho.
O acesso universal e equitativo à água potável e à coleta e tratamento de esgoto são direitos humanos inalienáveis reafirmados pela Constituição Federal de 1988; pela Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, adotada em 1992; pelo documento final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável intitulado “O futuro que queremos”, adotado em 2012; pela Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), adotados em 2015; pelo Quadro Sendai para Redução do Risco de Desastres 2015-2030, adotado em 2015; pelo Acordo de Paris aprovado nos termos da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima em 2015; pela “Nova Agenda Urbana” (Habitat III), adotada em 2016, e pelo “Chamado urgente para uma ação decisiva sobre a água”, resultado do debate entre ministros de chefes de delegações de mais de cem países, reunidos no 8º. Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília em abril último.
O CAU/BR entende que esses importantes marcos respondem ao desafio global do desenvolvimento sustentável e devem servir de paradigmas para as políticas nacionais no setor. Além de fundamental para a saúde pública, a infraestrutura de saneamento é um importante elemento para a organização das cidades. De igual forma, o acesso à coleta e destinação de resíduos sólidos e a drenagem de águas pluviais contribuem para o conjunto de ações que garantem o saneamento ambiental e protegem a saúde dos cidadãos.
A reforma proposta pela MP é uma afronta ao desenvolvimento saudável de nossas cidades por sobrepor o interesse das empresas que operam no setor do saneamento básico ao interesse público, o que fica explicito no artigo 10-A. Atualmente, os municípios, titulares da prestação dos serviços, definem por conta própria como proceder, ou seja, de forma direta, contratada ou consorciada com os vizinhos. A MP, ferindo a autonomia municipal, impõe a eles o chamamento público para manifestação de eventuais interessados na abertura de processos licitatórios objetivando a prestação dos serviços.
Na prática, isso obriga a abertura para as empresas operadoras privadas do “mercado” dos municípios com maior área de cobertura, ou seja, aqueles com inegável potencial de lucro. Os municípios menores, em geral mais pobres, por serem deficitários ficariam ao encargo das companhias municipais e estaduais, o que dificulta a prestação de serviços de forma regionalizada e inviabiliza o uso de subsídios cruzados. A gravidade do quadro fica evidente quando lembrado que, segundo dados da ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), dos mais de 5.500 municípios brasileiros, apenas cerca de 10 por cento apresentam condições de superávit nas operações de saneamento.
A ementa da MP diz que o objetivo da reforma é “aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País”. Paradoxalmente, no entanto, a proposta dispensa o Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) como condição de validade dos contratos de prestação de serviços, substituindo-o por um mero diagnóstico e um Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) da prestação dos serviços. Entendemos que o planejamento no setor é condição básica em um país onde 35 milhões de pessoas (16,7% da população) não conta com água potável em suas moradias, mais de 100 milhões (48,1%) não tem acesso à coleta de esgoto e apenas 44,9% do esgoto gerado é tratado. Os dados, que mostram a debilidade das cidades brasileiras no setor, são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), referentes a 2016, divulgados apenas esse ano.
Em prol da cidade saudável, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil defende uma política pública de saneamento básico, com visão regional e nacional, que proporcione tratamento isonômico aos municípios brasileiros.
O CAU/BR junta-se, assim, aos esforços por um debate democrático sobre a MP no Congresso Nacional, como defendido pela ABES (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), pela Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento) e pela FNU (Federação Nacional dos Urbanitários). A representatividade das entidades legitima o apelo para que os parlamentares, ao analisarem a MP 844, corrijam seu rumo, inclusive as dificuldades que seriam criadas para o acesso dos municípios aos recursos federais para o setor, com a passagem das decisões a respeito do Ministério das Cidades para a ANA (Agência Nacional de Águas).
Brasília, 10 de julho de 2018