Por Ana Tostões, Renato da Gama-Rosa Costa, Docomomo International e Docomomo Brasil
O Governo Bolsonaro anuncia a venda em leilão do Palácio Capanema no Rio, um ícone da arquitetura moderna que era a sede do Ministério da Educação
Via Ministério da Economia e Ministério do Trabalho e Previdência, o Governo Bolsonaro quer privatizar um conjunto de imóveis da União. A “estrela” do “feirão” é o Palácio Capanema, sede até a transferência da capital para Brasília do Ministério da Educação e Saúde, depois Ministério da Educação e Cultura. Iniciativa do ministro Gustavo Capanema, no Governo Vargas, o edfício é notável pelas inovações estéticas, técnicas, paisagísticas e urbanísticas. Marco da arquitetura moderna no Brasil e no mundo, é obra-prima da arte do século 20 reconhecida internacionalmente.
Uma equipe excepcional trabalhou no projeto e construção do Ministério de 1936 a 1945. Os arquitetos são Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcellos; Le Corbusier foi consultor por breve tempo. Tem jardins de Burle Marx, painéis de Portinari, tapete de Niemeyer, esculturas de Bruno Giorgi, Adriana Janacópulos, Lipchitz e Celso Antônio. O engenheiro calculistaé Emilio Baumgart. O Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – tombou o Ministério em 1948. Valor universal excepcional justifica sua presença na lista submetida pelo Brasil para designação como Patrimônio Mundial pela Unesco.
O edifício não perdeu relevância quando a sede se transferiu. Continuou acomodando unidades do setor da cultura, algumas do próprio Iphan – como um centro de formação em patrimônio associado à Unesco e servindo a América do Sul e a África lusófona. Auditório, galeria de exposições, biblioteca, e até o pilotis sob a galeria continuaram palco de atividades e eventos de interesse tanto especializado como geral. Em 2017, o edifício fechou para restauro que era urgente. As unidades foram para espaços alugados. Esperava-se que retornassem quando concluído o restauro e que o edifício retomasse sua condição de Palácio da Cultura aberto para todos: lugar de estudo, pesquisa, diálogo e congraçamento público, símbolo persistente de modernidade progressista, bela e generosa, no Brasil e fora dele.
Mas isso pode não acontecer. O edifício está sob cerco, como se fosse um bloco de escritórios vulgar e vazio. Proposição absurda, porque o Palácio Capanema é ícone de valor incalculável, só fechado por instante para a reabilitação de seus salões, passeios e jardins. O antigo Ministério da Educação e Cultura não é elefante branco. Incorpora testemunho de passado e esperança de futuro por tudo que representa e que comporta, uso turístico incluído. Privatizar o palácio renovado e sua praça daria prova de vergonhosa deseducação e incultura, um falso senso de economia e imprevidência assustadora configurando um crime contra o patrimônio nacional e mundial.
Crime desse porte não se acoberta. A gente previne ou pune.
O Capanema é nosso.
Sobre os autores
Ana Tostões é Presidente da Docomomo International.
Renato da Gama-Rosa Costa é presidente da Docomomo Brasil.
Fonte: Vitruvius
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