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“Projeto executivo é etapa fundamental” – Artigo de Washington Fajardo

O grande arquiteto americano Louis I. Khan dizia que há uma natureza mais elevada até mesmo num tijolo, e que ele almejava algo, e que o projeto deveria honrar este desejo do material. Já uma obra pública também enseja realização maior, que vai além das suas funções técnicas, funcionais, materiais. Ela procura a transcendência. Sua natureza é edificar a res publica.

 

Esopo nos alerta na fábula do escorpião e da rã que também a natureza é uma força atroz: ao matar a rã, o escorpião afirma ser da sua natureza ferroar. A natureza humana é vasta e complexa e cabe dentro dela a corrupção.

 

A investigação dos casos da Operação Lava-Jato, assim como a divulgação de contas bancárias no exterior não informadas à Receita Federal, em caso explícito de sonegação, chamada “Swissleaks”, são atos vis que precisam de justiça.

 

Este cenário nefasto pode impelir nossa natureza da revolta, da violência ou da desobediência civil: seria interessante considerar pagar o Imposto de Renda em juízo ou não abastecer mais nos postos da Petrobras. Até que tudo seja apurado e justiça feita. Mas deve também nos impelir a raciocinar. Diagnosticar os procedimentos adotados. Compreender os meandros não tão visíveis deste sistema de burla da ética. Evitar que possam se repetir.

 

Por força do ofício, como arquiteto e urbanista, gostaria de observar com atenção a Operação Lava-Jato.

 

É interessante atentar, na triangulação entre petroleira, empreiteiras e partidos, o procedimento recorrente da não adoção de projetos executivos e, em alguns casos, até mesmo do projeto básico, não valendo-se da própria (e falha) Lei de Licitações.

 

As irregularidades dão magnitude ao modo como são contratadas as obras públicas no país. Tão visíveis estão, que sugerem a oportunidade de correção imediata.

 

No Brasil, queremos influenciar ou controlar a natureza do outro: o setor público abomina o lucro, o privado busca o favorecimento público, os partidos amam as empreiteiras, estas não estão preocupadas em ter lucro construindo, mas com benefícios, e os projetistas fazem projetos que só servem essencialmente às etapas iniciais de licitação.

 

A obra pública final, resultado desta confusão, são realizações medíocres, que falham em poucos meses, com materiais vagabundos, com funções mal resolvidas, sem inovações, e que permitem subterfúgios e abrem muitas portas ao ilegal.

 

A Lei de Licitações permite ao construtor fazer o projeto executivo. Como os tempos de contratação no setor público são lentos, esperar o projeto básico é agonia; o executivo, então, uma insanidade — pois falta-nos cultura de projeto e admirar o tempo dos processos, celebrando-os. Esta é a natureza da Lei 8.666, que tal qual um capeta infinitesimal (deite o 8 e você terá ∞ 666), continua, ininterruptamente, a permitir fraturas éticas. Seja pela lógica do “menor preço”, seja pela não obrigação de projetos executivos e a pressão do prazo sobre os atores políticos.

 

Deste modo, o construtor ganhador da licitação (por causa do desconto dado no preço da obra) passa a ser o contratador do projeto executivo e pode mudar definições (técnicas e conceituais) deste. Especificações são mudadas e materiais, soluções, inovações tecnológicas, funcionalidades, design e beleza, tratadas como surpresas “caras”, gerando aditivos, uma possibilidade legal à luz da lei, ou que podem “atrasar” a obra, colocando os políticos gestores em condição de refém, pois a inauguração é o grande clímax público. E sim, de fato é, mas a nossa sociedade da modernidade, que adora a obra pronta mas não quer saber do processo, precisa começar a valorizar e ter acesso ao processo do projeto, valorizando estas etapas e celebrando-as assim como os gestores que entregam estas etapas. Não é apenas “papel”. É interesse público.

 

Se conduzido eticamente, já há falhas, como fica quando esta é flexível?

 

Ao mesmo tempo, cria-se um sistema propício a práticas corruptas, também mata a inovação e cria regressão tecnológica.

 

Precisamos respeitar as naturezas. Precisamos entender que o projeto executivo é importante e etapa fundamental da manifestação do interesse público. Entender que o político gestor deve sim executar aquilo que intenta fazer, pois os mecanismos de controle existem e são presentes, e ele é um representante eleito. Compreender que as empreiteiras possam sim ter lucros construindo e através da otimização, eficiência e da tecnologia. Precisamos que arquitetos e projetistas possam sim ser os responsáveis plenos pelo projeto executivo, e também os fiscalizadores do orçamento e do cronograma, pois são os responsáveis educados para tanto. Precisamos que a burocracia seja célere, pois há o interesse público movendo a obra pública.

 

E, por fim, precisamos entender que, na inauguração, teremos enormes placas de homenagem, pois celebraremos os políticos, os gestores, os autores do projeto, os construtores, os controladores, enfim, todo o processo.

 

Uma lista grande mas festiva. Mas muito melhor que 54 nomes indiciados por corrupção.

 

 

*Washington Fajardo é arquiteto e urbanista, presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade e do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro.

 

 

Publicado em 23/03/2015. Fonte: O Globo. Reprodução autorizada pelo autor.

2 respostas

  1. acompanhar todas as mudanças, para exercer a continuação do curso com confiança.

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