Para que a Nova Agenda Urbana definida pelas Nações Unidas vingue no Brasil será necessário um respaldo político assertivo, em especial dos prefeitos e vereadores recém eleitos. Essa foi a tônica da apresentação feita pelo presidente do CAU/BR, Haroldo Pinheiro, em audiência pública promovida pela Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados para debater o documento síntese da Habitat III (3ª. Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Sustentável) realizada em Quito, no Equador, em outubro de 2016.
“Sem o respaldo político, a ´Declaração de Quito sobre Cidades Sustentáveis e Assentamentos Humanos para Todos’ corre o risco de tornar-se um documento inócuo por ser ampla demais, não estabelecer metas e não ser vinculativa como os demais acordos promovidos pela ONU, apesar de obtido a assinatura de delegações de 167 países”, afirma o arquiteto e urbanista.

A Nova Agenda Urbana defende bons projetos e mecanismos legais para estabelecer e manter espaços públicos fundamentais para a comunidade. “O espaço público bem planejado e bem-cuidado fornece a estrutura básica que, ao longo de décadas e séculos, reforça a identidade cívica, fomenta a qualidade de vida e aumenta a produtividade da cidade”, diz o documento.
A concretização dessa diretriz, no Brasil, passa por um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, sobre o qual já houve entendimento do Conselho Nacional das Cidades (ConCidades), mas que segue aguardando sua implementação. A questão, contudo, não se esgota ai, segundo o presidente do CAU/BR. É preciso também que os municípios igualmente estejam compromissados com a questão, ciente de sua responsabilidade com o planejamento local e a sustentabilidade global, “levando em consideração que o espaço público não significa um conjunto de obras salpicadas aqui e ali, feitas para atender ao interesse de grupos”.
É esse o objetivo maior da campanha de valorização profissional lançada pelo CAU/BR na comemoração do Dia do Arquiteto e Urbanista 2016, em apoio à Nova Agenda Urbana. “A Declaração de Quito justo na época em que as cidades brasileiras trocam de gestores criou uma oportunidade ímpar para se valorizar a participação dos arquitetos e urbanistas na melhoria de nossas cidades. A campanha do Dia do Arquiteto e Urbanista do CAU/BR fala da necessidade de se repensar as cidades para atender aos desejos, necessidades e direitos dos cidadãos, valorizando o planejamento urbano e ressaltando a responsabilidade dos prefeitos”.
O Brasil, lembrou ele, tem uma legislação urbana considerada avançada mundialmente, contando com instrumentos como o Estatuto das Cidades e o Estatuto da Metrópole. “Mas nosso problema é que tem lei que pega e tem lei que não pega. No caso do Estatuto, por exemplo, a maior parte dos instrumentos que disponibiliza é ignorada pelas Prefeituras”.
A progressividade do Imposto Predial e Territorial, que incentivaria a ocupação de áreas onde já existe infraestrutura, é uma exceção, mas mesmo assim, só três municípios brasileiros o utilizam de forma plena. “É um instrumento dos mais simples mas ao que parece as pressões são as mais complexas. Há uma dificuldade de absorção do conceito do Direito à Cidade, previsto no Estatuto e agora também incorporado na Nova Agenda Urbana, postulando o combate à exclusão espacial, o que nos faz refletir sobre a fama dos proprietários rurais serem uma classe conservadora. E os proprietários urbanos ?”. Ele lembra, a propósito, que a Declaração de Quito condena a descontrolada especulação de terras, que classifica como “um fardo para o crescimento de cidades equitativas e um bom planejamento”.
Haroldo Pinheiro afirma que é preciso “empoderar” os municípios para que conheçam e utilizem melhor nossa legislação. “Falta aparelhamento técnico nas Prefeituras para que elas usem, com a habilidade, a ‘caixa de ferramentas’ que o Estatuto e outras leis urbanas disponibilizam”.
A existência de quadros técnicos competentes é fundamental também para a boa aplicação e inclusive obtenção de recursos. “Muitos Municípios reclamam da falta de dinheiro, usando isso como argumento para a não contratação de arquitetos e urbanistas, engenheiros e outros profissionais da área técnica. Em contraponto argumentamos que se temos pouco dinheiro, temos que usá-lo bem. Fazer mais com menos. E com qualidade. Não menos com muito mais, com o triplo do custo, sem benefícios para o espaço público, como vem ocorrendo”.
“Por outro lado – complementa o presidente do CAU/BR – é preciso haver uma mudança comportamental dos prefeitos. Eles saem pelos gabinetes das Secretarias estaduais e dos Ministérios atrás de verbas, “passando o pires”, sem contudo fundamentarem suas reivindicações com bons projetos. Os prefeitos apresentam argumentos políticos, planilhas financeiras, mas não levam projetos técnicos que viabilizem seus propósitos. Todo ano “sobram” recursos orçamentários no governo federal para aplicação em projetos urbanos por falta de planos bem feitos. Perdem-se inclusive oportunidades de financiamento e até recursos a fundo perdido de instituições internacionais. É preciso deixar de encarar o planejamento como um gasto inútil, mas sim como um investimento fundamental”.

Na conferência de Quito houve uma convergência nos elogios a Bogotá e Medellin, cidades colombianas, pelos bons proveitos que conseguiram ao implementar equipamentos públicos pelo critério de qualidade. “O curioso, e ao mesmo tempo preocupante, é que parte do sucesso dessas experiências se deve à aplicação de mecanismos que já aplicávamos há tempos e que abandonamos. Basta citar o trabalho dos arquitetos Jaime Lerner, quando prefeito de Curitiba, com inovações nas áreas ambiental e de transportes públicos, e Luiz Paulo Conde, quando prefeito do Rio de Janeiro, na idealização e implantação de programas de recuperação de áreas urbanas como o Favela Bairro e Rio-Cidade”.
A Nova Agenda Urbana, lembra Haroldo Pinheiro, incentiva a efetiva participação e colaboração do setor privado na identificação de oportunidades para o desenvolvimento econômico e a identificação e superação de desafios existentes e emergentes das cidades. “A diretriz é positiva, mas no Brasil precisamos ficar atentos à interpretação que lhe será dada. O que temos visto hoje, de forma crescente, é a entrega do planejamento dos espaços e obras públicas de nossas cidades para as grandes empreiteiras, contratadas com base apenas em anteprojeto e não em projetos completos, como previsto no RDC (Regime Diferenciado de Contratações Públicas) e na versão da Nova Lei de Licitações recém aprovada pelo Senado”.
Da mesma forma, a Nova Agenda Urbana prevê a efetiva participação da comunidade no planejamento dos centros urbanos. A participação da sociedade civil, lembra Haroldo Pinheiro, começa com o envolvimento na explicitação de seus desejos e construção inicial das propostas. “Dessa forma, ela sente-se ‘dona’ do lugar e estará mais comprometida com sua manutenção. A participação, porém, deve ir além. É preciso haver um monitoramento cidadão do que está sendo feito em nosso nome, com nosso dinheiro e quais são os resultados. Isso é fundamental para garantir o planejamento a longo prazo, como mencionado na Carta-Compromisso do CAU/BR com a Nova Agenda Urbana submetida ao secretariado da Habitat na conferência de Quito”.
A audiência pública foi realizada no dia 14/12/16, por proposta do presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano, deputado Jaime Martins (PSD-MG). Tomaram parte também o economista Marco Aurélio Costa, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); o engenheiro Cláudio Bernardes, ex-presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (SECOVI); o engenheiro Eleotério Codato, titular da Secretaria Nacional de Acessibilidade e Programas Urbanos do Ministério das Cidades e a arquiteta e urbanista Diana Meireles da Motta, diretora de Planejamento Urbano da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades.
Publicado em 02/01/2017
Uma resposta
” Lamentável que exista pouca Boa Vontade nas Prefeituras, porém a culpa não é exclusiva, os profissionais que compõe o conjunto de idealizadores, tanto na área de planejamento, investimentos, construtores e outros, precisam juntamente com a sociedade organizada, assumirem suas responsabilidades de estarem alerta para esta nova era que se estabelece, não só aqui no Brasil como no restante do Mundo. Isto não é um discurso político é uma realidade. As leis já estão formuladas e aprovadas, porém poucos se dão conta de seu próprio grau de responsabilidade, individualidade e privilégios não tem e não terão espaço da qui para frente.”