Apesar da experiência de outros países, o mundo pós-Covid está cheio de interrogações. Profissionais de todas as áreas tentam reduzir impactos e dar segurança para a população quando a rotina começar a voltar. Um dos desafios para os arquitetos é traçar um plano adequado para o retorno aos escritórios. Afinal, este será um dos momentos mais importantes do ciclo do comportamento humano relacionado ao novo coronavírus no Brasil. Como fazer para concentrar pessoas que chegam de diferentes lugares para passarem muitas horas em um ambiente geralmente fechado e com ar condicionado sem risco para a saúde?
O assunto tem desencadeado tantas discussões que o estúdio de arquitetura e design Perkins and Will criou até mesmo um manual com recomendações de retorno em etapas e medidas importantes a serem adotadas antes e durante o retorno às atividades, e mereceu uma publicação detalhada no site de arquitetura Archdaily. E a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura RJ (Asbea-RJ) resolveu fazer um ciclo de palestras para esclarecer fatores importantes. Assim, mantém profissionais, amigos e parentes informados sobre as transformações que estão por vir.
Para esclarecer um pouco sobre este assunto, o Rio Capital Mundial da Arquitetura traz estratégias já observadas por especialistas e empresas. Profissionais opinam que o retorno deve ser gradual e levando em consideração as individualidades de cada um.
Uma pesquisa do Instituto Gensler feita com mais de 2.300 trabalhadores americanos em 10 setores diferentes apontou que 70% dos funcionários prefere voltar ao local comum de trabalho em parte da semana do que manter o home office iniciado forçadamente em função da pandemia. Mas esperam um local de trabalho melhor do que aquele que deixaram. Apenas 12% dos entrevistados pelo instituto responderam que preferem manter seu trabalho em casa.
O estudo evidenciou também que os trabalhadores esperam que suas empresas façam alterações no local de trabalho devido à pandemia do novo coronavírus. E querem maior distanciamento social, menos compartilhamento de espaço de trabalho e maior mobilidade e suporte virtual ao trabalho.
A Pesquisa Work From Home dos EUA 2020 foi realizada por consulta on-line anônima em painel com empregados em tempo integral de empresa com mais de 100 pessoas. Cada entrevistado trabalhava rotineiramente em um ambiente de escritório anterior à Covid-19 e estava trabalhando em casa no momento em que a pesquisa foi feita entre 16 de abril e 4 de maio de 2020. As respostas foram distribuídas igualmente em 10 setores de diferentes faixas de níveis, idades e geografias, segundo site do instituto.
Dois fóruns virtuais sobre a volta ao escritório já foram realizadas com arquitetos e profissionais de outras áreas pela Asbea. A entidade pretende manter os encontros e debates nas próximas semanas com percepções, análises e orientações. Para o arquiteto Celso Rayol, presidente da entidade, agora, a cidade o escritório e a casa terão que mudar e todos passarão a ser mais críticos com os locais de trabalho.
– Há um impacto muito grande. Muitos escritórios foram fechados, sem ventilação e iluminação naturais, e serão revistos em vários aspectos. Arquitetos terão muita responsabilidade nesta mudança. Víamos um movimento de humanização dos espaços corporativos. O escritório estava ganhando ares de uma residência, com toques pessoais de cada colaborador. De repente, todos tiveram que levar o escritório para dentro de casa e se adequar como dava à nova situação. E haverá de novo o movimento inverso -, ressalta Celso Rayol.
Tecnologia, a menina dos olhos
Um dos itens mais importantes para a reabertura de escritórios será, sem dúvida, a tecnologia, segundo Pierina Piemonte sócia da LPA Arquitetura, escritório especializado em ambientes corporativos e de varejo. A mesma tecnologia que permitiu que emergencialmente as pessoas passassem a trabalhar, se divertir, assistir aulas e se reunir dentro da própria casa, sem contato físico, quando foram adotadas medidas de distanciamento social no país. E outros tipos de equipamentos, para garantir segurança onde é fundamental o uso compartilhado.
– O escritório não perderá seu papel, mas vai mudar. É um meio social importante para a nossa vida. Mas terá que se adaptar física, emocional e cognitivamente, para passar confiança ao colaborador. A mudança de comportamento é que vai determinar o sucesso da estratégia -, explica Pierina.
Para ela, a tecnologia será importante desde a chegada ao prédio de trabalho, onde serão mais apropriados os cartões de aproximação ou equipamentos de reconhecimento facial e da íris , ao invés de biometria, pois a ponta dos dedos a partir da pandemia devem ser preservadas de tocar superfícies. Principalmente as usadas por muita gente.
Os escritórios devem ser adaptados. Entre as recomendações da especialista, estão também a manutenção de reuniões online mesmo no escritório, teste para detectar febre na entrada do trabalho, sensores e equipamentos com acionamento com os pés nas áreas comuns, como banheiros e copas, além de sensores de ambiente para detectar locais mais usados para priorizar a limpeza.
Na necessidade de reuniões presenciais, que sejam rápidas, com as pessoas em pé e afastadas. As áreas de café devem ter menos cadeiras, que deverão estar bem afastadas umas das outras. Materiais devem ser substituídos pelos que são mais fáceis de ser higienizados. As salas de reunião presencial devem crescer, enquanto as áreas de staff, devem ser reduzidas.
– Tecidos, por exemplo, não são recomendados. Já há estudos para a confecção de materiais antimicrobiais. Imaginamos escritórios mais flexíveis, com mais pontos elétricos, por exemplo, para uso individual -, ressalta Pierina. Ela acrescenta que estações de trabalho não devem ser compartilhadas e a adoção de mais de um turno é indicada para evitar que todos estejam no local ao mesmo tempo.
Escritórios satélites
Da mesma forma recomenda o arquiteto Ricardo Nunes na reabertura dos escritórios. Ele prevê a necessidade de densidade menor nas empresas, com distância de aproximadamente dois metros entre as estações de trabalho. Sugere a criação de escritórios satélites com menos postos de trabalho e perto da residência dos colaboradores que moram longe. Seriam usados também para reuniões periódicas, sem que o colaborador tenha que passar horas em transporte público para se deslocar até o trabalho.
– Seriam espaços preparados com tecnologia de ponta. A empresa investiria em escritórios menores em diversos locais (satélites) com menos risco para seus colaboradores, principalmente evitando deslocamentos longos e grande adensamento em um só ambiente. Não seriam mais onerosos, à medida que os espaços seriam menores -, explica.
E acrescenta que a medida proporcionaria qualidade de vida para o colaborador, que ficaria menos tempo no transporte, ganhando a oportunidade de se exercitar e cuidar mais de sua saúde e de seus familiares.Ele também defende o amplo uso da tecnologia para eficiência na segurança, o que significa um investimento na manutenção de saúde dos empregados.
– Hoje há equipamentos e algoritmos que detectam até o que a pessoa vai fazer pela sua expressão facial, sem a necessidade do contato direto. Temos poucos prédios com este tipo de tecnologia, mas isso pode mudar -, conta.
Segundo ele, o retorno ao escritório tem que fazer sentido, já que o home office funcionou. Todas as medidas devem ser tomadas para que o ambiente de trabalho seja mais prazeroso, uma tendência que já existia nas empresas, com a criação de áreas de descompressão utilizando mesas de sinuca, puffs, e outros apetrechos importantes para o relaxamento dos colaboradores. Além de ambientes para a concentração, pois muitos não dispõem de espaços como este em home office. E frisa que os elementos mais desejados atualmente são luz natural, plantas, interação com o meio externo e uma boa ambientação com cores adequadas nos locais de trabalho.
Cidades de 15 Minutos
O arquiteto e urbanista Vicente Loureiro, conselheiro da Agetransp (agência reguladora de transportes públicos do Estado do Rio de Janeiro), já defendia o que chama de aproximação dos CEPs, por considerar insustentável que as pessoas gastem tanto tempo e dinheiro para se locomover. Acredita que, com a pandemia, esta tendência será acelerada e cita como bom exemplo a experiência que está sendo adotada em Paris (França): a Cidade de 15 Minutos, ou seja, a criação de estrutura nas cidades para que os deslocamentos sejam rápidos.
– É o crono-urbanismo, ou urbanismo do tempo. Uma mudança na relação dos moradores e usuários da cidade com o tempo, sobretudo o gasto com a mobilidade. Não é tarefa fácil. Há muitos casos de funcionários que trabalham longe de casa e muitas das vezes o acesso a serviços públicos essenciais de educação, saúde e lazer exigem deslocamentos longos e dispendiosos -, afirma Loureiro.
Ele explica que é preciso repensar o zoneamento e a ocupação do solo para permitir a mudança, principalmente com a possibilidade de novas doenças afetarem a população no mundo, decorrentes de ocupação de áreas e consumo de animais silvestres.
Loureiro acredita que as pessoas passarão a preferir ganhar salários um pouco menores para trabalhar perto de onde moram, ganhando, assim, qualidade de vida, tempo para se cuidar, cuidar de sua casa e sua família. O ideal, segundo ele, é incentivar a locomoção a pé ou de bicicletas, com calçadas mais amplas e ciclovias nas cidades. E lembra que durante a pandemia está sendo comprovado que o home office e o e-commerce demonstraram eficiência e que vieram para ficar, o que também reduz deslocamentos.
Ele ressalta que há locais do Rio de Janeiro, como o bairro de Campo Grande, na Zona Oeste, que já conquistaram dinamismo e viraram centralidade, oferecendo serviços, saúde, educação. Estimula, desta forma, a população a reduzir viagens longas custosas e cansativas.
Luz UVC contra a Covid-19
Na volta ao escritório, o ar condicionado é uma das maiores preocupações em ambientes de trabalho. Para este problema, o diretor da empresa de ar condicionado Datum, engenheiro Edison Tito Guimarães, apresentou em palestra da Asbea, uma solução já usada em laboratórios, hospitais e até no metrô de Nova York, mas que muito interessou aos que assistiam. É a lâmpada Ultravioleta banda de frequência C (UVC). Popularmente chamada de lâmpada germicida, a luz emitida por ela aniquila o novo coronavírus, bem como bactérias, mantendo o ambiente livre dos organismos. Porém, por ser nociva ao ser humano, podendo causar cegueira e câncer de pele, não deve ser usada diretamente sobre as pessoas, sendo ligada quando não há pessoas nos recintos.
– No Metrô de Nova York ela é ligada à noite e higieniza totalmente os vagões. Pela manhã, o ar está livre de riscos para receber os passageiros -, explica Edison.
A luz artificial azul deve ser instalada atrás da serpentina do ar condicionado, um dos lugares apropriados às bactérias, no sentido do fluxo de ar, conta Edison. Um dos locais que o engenheiro fez a instalação da lâmpada UVC foi em um laboratório, no interior de São Paulo, que produzia oito tipos de vacinas com organismos vivos.
– No laboratório havia 32 salas e um organismo não podia passar de uma sala para a outra. É muito usada na indústria farmacêutica também -, pela necessidade de assepsia total.
De acordo com ele, apesar de cara (a adequada custa em torno de R$ 3 mil e seu efeito atinge no máximo 100m²), está muito difícil encontrar a lâmpada UVC atualmente. Ela é fabricada nos EUA, na Europa e no Japão.
Preparar o funcionário para a volta
A volta ao escritório exigirá atenção dos dirigentes das empresas e dos funcionários, alerta a terapeuta familiar Érica Cavour. Ela ressalta que todos tiveram que mudar radicalmente suas estruturas de trabalho e suas vidas devido às recomendações de distanciamento social. E quando voltarem aos escritórios, terão um outro impacto, tendo que se readaptar.
– As pessoas saíram do escritório na sexta e não voltaram na segunda-feira. O que se viu foram casais adaptando a casa rapidamente, mesa de jantar virando de escritório, a presença dos filhos na rotina de trabalho, afazeres domésticos. Agora, a volta deve ser mais bem preparada -, diz Érica.
– Há um luto difuso. Emocionalmente falando, é a perda da vida como ela era: perdeu-se a rotina, a liberdade, o senso de futuro em relação à Covid-19. Medo da própria morte e das pessoas que se ama. Pessoas podem estar sofrendo, de luto pela morte de entes queridos ou tocadas pela morte de conhecidos. Além disso, a crise econômica com perda das perspectivas futuras acometeu os adultos -, cometa.
Ela explica que as pessoas voltarão ao trabalho vulneráveis, sensibilizadas, inseguras, o que normalmente levará à desconfiança. A terapeuta recomenda que se faça um trabalho com as lideranças nas empresas, a fim de sensibilizá-las para que amparem os sentimentos dos funcionários.
– Podem ser feitas conversas virtuais dinâmicas questionando como cada um está fisicamente, emocionalmente e qual é a sua visão. E aproveitar as experiências diferentes para enriquecimento um do outro, sugere.
Um passo a passo para as empresas
Com base nas orientações dos principais órgãos de saúde pública a Perkins and Will lançou um guia com informações para empregadores considerarem à medida que as restrições aos locais de trabalho devido à pandemia vão sendo aliviadas. São orientações publicadas no site Archdaily, que mostram como abrir as portas de suas empresas de forma segura, como expuseram os profissionais citados.
De acordo com o manual, a reabertura deve ser gradativa. Antes de reabrir as portas, devem ser analisadas as fases da pandemia, além de adaptar a estrutura do escritório, avaliar a presteza dos funcionários, definir uma nova capacidade de trabalho, identificar as prioridades, considerar condições de trabalho remoto por mais tempo, avaliar novos prazos de entrega, implementar mudanças operacionais, redefinir critérios de comportamento no ambiente de trabalho.
Uma das primeira questões a serem avaliadas, segundo o guia, é o número de estações de trabalho. A dica é estabelecer regras de capacidade máxima para cada sala e espaço compartilhado, como banheiros, despensas e salas de reunião. Empresas também devem reconfigurar.
Outra dica é ajudar os funcionários a se deslocarem de casa para o trabalho e vice-versa com segurança, oferecendo incentivos para que os mesmos utilizem sistemas alternativos de mobilidade. Também devem ser definidos os critérios de acesso ao trabalho, como o uso de elevadores de forma responsável, com menos pessoas e a priorização de circulação por escadas. Há também a indicação de se fazer demarcações no piso marcando a distância de segurança onde geralmente se concentram mais pessoas. Veja a matéria completa no site do Archdaily
Rio Capital Mundial da Arquitetura
O Rio de Janeiro é a primeira Capital Mundial da Arquitetura, título inédito conquistado pela Prefeitura do Rio e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e pela União Internacional de Arquitetos (UIA). Ao longo de todo o ano de 2020, a cidade sediará uma série de eventos, entre eles o 27º Congresso Mundial de Arquitetos, exposições e concursos públicos, adiado para 18 a 22 de julho de 2021, devido ao surto de coronavírus no mundo. Além de mostrar para o mundo a riqueza arquitetônica do Rio, esta titulação é também uma oportunidade de reflexão sobre o futuro, de planejar o que se quer para as cidades de todo o mundo.
UIA 2021 Rio
Com o tema “Todos os mundos. Um só mundo. Arquitetura 21” e expectativa de público de 20 mil profissionais da área, o 27º Congresso Mundial de Arquitetos vai transformar o Rio no epicentro do debate sobre o futuro das cidades do mundo. Promovido pela União Internacional de Arquitetos (UIA) e com a organização do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), o evento convida especialistas e entusiastas de cidades mais dinâmicas, justas e sustentáveis a debater soluções inicialmente entre os dias 19 e 23 de julho de 2020 (devido à pandemia de Coronavírus no mundo, a data foi adiada para 18 a 22 de julho de 2021). O Congresso conta ainda com eventos preparatórios e paralelos, como exposições, seminários e workshops, que acontecem por todo o país.