Habitat III

Gustavo Restrepo: “O planejamento urbano requer novos paradigmas”

Gustavo Restrepo é um arquiteto e urbanista colombiano

 

O planejamento territorial urbano não deve se restringir ao ordenamento do território de uma cidade. É preciso também garantir uma perspectiva econômica e social, pois o respeito à vida é o que mais importa, na opinião do arquiteto e urbanista colombiano Gustavo Restrepo, que abriu nessa terça-feira (12/04) o I Seminário Nacional de Política Urbana e Ambiental realizado pelo CAU/BR em Brasília.

 

Com a autoridade de ter sido um dos técnicos responsáveis pela transformação urbana integral de Medellin, Restrepo mostrou como a cidade rompeu paradigmas  e conseguiu saltar  da condição de uma das comunidades mais violentas do mundo, no final do século passado, para  uma das referências de boas práticas mundiais de planejamento urbano.  Entre tantas premiações, a mais recente foi concedida em março: o  Lee Kuan Yew World City Prize, prêmio internacional mais importante de urbanismo e desenvolvimento do mundo, competindo com outras 38 cidades.  Como romper paradigmas ?  “Três pontos são fundamentais: vontade política, participação popular e cultura cidadã”, declara o urbanista.

 

O seminário é promovido pela Comissão de Política Urbana e Ambiental (CPUA), com apoio da Comissão de Relações Internacionais (CRI) e dos Presidentes dos CAU/UF. Na abertura do evento, Haroldo Pinheiro, presidente do CAU/BR, manifestou preocupação com a situação em que nossas cidades chegaram e com a falta de políticas públicas concretas para enfrentar o problema. “Nosso papel, como técnicos, é dialogar ao máximo com os poderes Legislativo e Executivo para assessorá-los com nosso conhecimento, buscando uma realidade menos preocupante”.

 

A arquiteta Lana Jubé, coordenadora da CPUA, informou que um dos objetivos do seminário é a formulação de um documento do CAU/BR para a Habitat III, reunião que a ONU promoverá em Quito, no Equador, em outubro, para discutir os problemas das cidades. Wilson de Andrade, presidente do CAU/MT, falando em nome dos demais presidentes, disse que soluções que buscaram quantidade de obras e não qualidade, como foi o caso da política habitacional recente no país, não garantiram a inclusão dessa população às cidade onde vivem.

 

Da esquerda para a direita: Lana Jubé, Haroldo Pinheiro e Wilson de Andrade

 

 

OS TRÊS AQUECIMENTOS DE MEDELLIN – Com cerca de três milhões de habitantes, a segunda cidade mais populosa da Colômbia chegou ao fundo do poço, segundo Gustavo Restrepo, pela conjunção de três tipos de “aquecimento”. Um deles, o propriamente dito aquecimento climático, devido à sua posição geográfica no vale da Vale da Aburrá, cercada de montanhas que chegam a 1520 metros onde proliferaram áreas de risco  à medida em que, em poucas décadas,  a cidade dispersa foi se densificando. Outro, o “aquecimento” econômico, no sentido negativo, decorrente do pior de todos: o “aquecimento social” causado pelo império das drogas e violência de Pablo Escobar. Resultado: uma Medellin segregada em guetos, vulnerável, com enorme desigualdade social, ingovernável e marcada por violência, morte, dor, desesperança e rancor.

 

Na década de 1990, empresários e acadêmicos se uniram e decidiram dar um basta à situação, o que criou condições para a transformação urbana da cidade. Mas isso só foi possível, diz Gustavo Restrepo, com a mudança dos paradigmas do planejamento urbano.

 

O primeiro ponto essencial foi a vontade política, verbalizada na garantia de continuidade dos projetos e obras, mesmo com a mudança de “alcaides” (prefeitos) a cada ano, e ainda que sejam de “colores” (partidos) diferentes. Alguns dos projetos da nova Medellin, como seu cinturão verde, precisam de 20 anos para implantação de forma plena, ou seja, cinco administrações seguidas.  Sua “tranvia”, que demorou seis anos para ficar pronta, foi iniciada por um prefeito, continuada por outro e inaugurada por um terceiro. Ou seja, há um comprometimento com o projeto maior da cidade, ainda que a visão estratégica possa mudar. A atual administração adota o tema “Medellin: cidade para a vida”, baseada nos princípios da não violência, participação, inovação e transparência

 

Um facilitador para a continuidade é o “banco de projetos” que a cidade possui, permitindo aos novos governos eleger – no quadro geral de um planejamento urbano já definido com a população – as suas prioridades, implementando-as rapidamente em seguida. O “banco de projetos” é um dos produtos da Empresa de Desenvolvimento Urbano (EDU), que surgiu como uma empresa imobiliária municipal e hoje se incumbe também das consultas públicas e das ações de fortalecimento econômico das áreas envolvidas nos novos empreendimentos. A EDU cuida ainda das parcerias público-privadas que viabilizaram algumas das ações. Restrepo diz que Medellin no Brasil para criar as PPP, mas há uma diferença muito grande na solução adotada. Lá, por “privado” não se entende apenas investidores, mas também grupos de vizinhos de áreas afetadas por algum tipo de obra. Individualmente ou por meio de cooperativas, eles repassam suas propriedades para a administração pública e igualmente lucram com a “mais valia” consequente dos empreendimentos.

 

CULTURA CIDADÃ – A participação popular, outro paradigma  citado por Restrepo, é decorrente de uma atitude moldada a partir de uma política educacional que busca fortalecer a consciência do indivíduo  de que ele é o gestor de seu próprio desenvolvimento. Na medida em que essa consciência avança, cria-se a cultura cidadã. E aí o círculo se fecha, pois justamente essa cultura solidária é que influenciará nas decisões dos “alcaides” nas trocas a cada quatro anos.  Quanto mais participa das decisões, mais a população acompanha a implantação dos projetos e obras, defendendo e se apropriando deles para sempre.  “A participação não pode se resumir a críticas. Ela tem que ser construída a partir de um sonho. Essa nova visão passa por conversar, questionar, entender, diagnosticar, identificar, pensar, conhecer, confiar, propor, implementar e viver. O cidadão faz a agenda do político”.

 

O trabalho articulado envolve apropriação técnica do território pela população, para melhor entender e identificar os problemas locais (com oficinas dadas por equipes interdisciplinares) e debates comunitários onde se extrai a visão coletiva, com uma coordenação interinstitucional de todos os níveis da administração pública. O resultado tem sido um planejamento que integra a dimensão física (onde prevalece a sustentabilidade não só do espaço mas da vida), econômica (como ênfase em inovação, crescimento e oportunidades) e social (uma cidade diversa, inclusiva, segura, educada e feliz).

 

Os planos são expostos no centro da cidade para que a população mentalize um quebra-cabeças de projetos localizados que resultam no sonho de todos. Um sonho composto por jardins infantis, os parques-bibliotecas, sistema estruturante de mobilidade (rede de trens no vale e escadas rolantes e teleféricos nos morros), colégios de qualidade, um cinturão verde metropolitano e um programa de segurança baseado na ocupação dos espaços públicos centrais  pelas pessoas, tirando-as das “prisões domiciliares” a que submetiam motivadas pela violência.

 

METODOLOGIA É O SEGREDO –  A quebra de paradigmas conduziu ao que Gustavo Restrepo chama de urbanismo sustentável, onde o respeito à vida é o que mais importa, resumido em sete pontos

 

  1. Ao invés da administração pública, só informar, buscar a participação coletiva;
  2. Ao invés de construir casas, construir comunidades;
  3. Considerar os pedestres como cidadãos;
  4. Em lugar da preocupação com a mobilidade dos carros, a mobilidade das pessoas;
  5. Transformar espaços públicos em lugares de encontro;
  6. Em lugar de apenas oferecer transporte, pensar na mobilidade integrada;
  7. Não basta ter políticas públicas, é preciso que elas sejam políticas públicas de continuidade

 

Para Gustavo Restrepo essa metodologia de planejamento cidadão é o que vale a pena copiar de Medellin, não seus badalados projetos urbanos. Cada cidade tem sua peculiaridade, diz ele, lembrando que a metodologia do programa Favela-Bairro (do Rio de Janeiro) inspirou mas não ditou alguns projetos de Medellin.

 

 Clique aqui para acessar a íntegra da apresentação

 

CIDADANIA METROPOLITANA  – O segundo palestrante, Benny Schvarsberg, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasilia (UNB), tratou do Estatuto da Cidade, ressaltando como grande falha do documento a falta de uma visão das áreas metropolitanas, que agora se procura retomar com o Estatuto da Metrópole.

 

“O direito à cidade metropolitana não é só uma ampliação do direito à cidade à escala metropolitana. De um lado, amplia-se os direitos e deveres por parte do Estado e da sociedade. De outro, aponta-se para a ressignificação do sujeito desse direito em direção a uma cidadania metropolitana, sobretudo o direito dos periféricos e dos excluídos territorialmente em adquirir melhores condições de vida e oportunidades nos centros metropolitanos’.

 

Ele lembrou que as manifestações de 2013, as maiores que o país já assistiu em sua história, não se limitou, mas começou a partir de problemas relacionados com a mobilidade urbana, tema que considera estruturador de todos os demais questões de nossas cidades.  “Ocorre que temos sido incapazes de estabelecer um diálogo entre as políticas de uso e ocupação do solo e transportes. E esse é o passo fundamental a ser dado hoje”.

 

Clique aqui para acessar a íntegra da apresentação

 

Benny Schasber, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de Brasília (Unb)

GOVERNABILIDADE DA METRÓPOLE – Para Jório Cruz, conselheiro do CAU/PE e ex-professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo  da Universidade Federal de Pernambuco,  vivemos hoje um paradoxo insustentável. Nossas cidades tem governo próprio, mas as metrópoles não; idem … parlamento e legislação, realidade fiscal, representatividade política, orçamento próprio, serviços urbanos, planejamento legítimo e estrutura institucional plena. “Para mudar o quadro é preciso uma abordagem política, não técnica. Precisamos dar condições de governabilidade para nossas metrópoles”, diz ele.

 

O CAU, segundo Jório Cruz, deve assumir o papel de protagonista na defesa dessa visão, “pois a metrópole não pode continuar sendo governada em segmentos autônomos”.

 

“A metrópole é do interesse comum de todos os municípios e sem um governo interfederativo não há planejamento viável”, afirma o professor, para quem a política urbana e ambiental do país começa na metrópole. “O CAU não pode deixar que o Estatuto da Metrópole seja mais uma lei que não pega”.

 

Jório Cruz, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

 

Clique aqui para acessar a apresentação completa: Seminario CPUA_Jorio Cruz

 

 

O Seminário prosseguiu no dia 13/04 com uma mesa redonda e quatro palestras. Para saber mais, clique aqui. 

 

Conheça as Conclusões Preliminares do I Seminário Nacional de Política Urbana e Ambiental.

 

 

 

Publicado em 12/04/2016

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