A Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional (CEDN) do Senado deverá votar nos próximos dias o substitutivo do relator Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) ao projeto 559/2013, que trata da revisão da Lei de Licitações. Uma de suas propostas é permitir a licitação de obras públicas sem projeto. Para Haroldo Pinheiro, presidente do CAU/BR, “o documento é um retrocesso desastroso pelo impacto negativo que trará para as obras públicas, nossas cidades e a Arquitetura e Engenharia nacionais”. A entidade defende a suspensão da votação até que o Senado promova, sem açodamento, uma audiência pública com todos os setores envolvidos no tema.
O substitutivo de Fernando Bezerra é a terceira “versão final” que ele apresenta do documento. Entre as novidades está a ressurreição do regime de “contratação integrada” na forma prevista no RDC (Regime Diferenciado de Contratações Públicas). Nessa modalidade, a obra é licitada com base apenas em um simples anteprojeto (vale dizer, sem projeto), o que antes o próprio Fernando Bezerra Coelho considerava um “instrumento impreciso”. Ou seja, além de fazer o que tradicionalmente lhe cabe, a execução da obra, ficam por conta da empreiteira a elaboração e o desenvolvimento do projeto executivo completo, com todos os detalhamentos necessários para erguer o empreendimento, o que equivale dizer que ela definirá a qualidade dos materiais a serem utilizados, os orçamentos parciais e geral e os prazos.
Trata-se de um conflito de interesse. “Quem projeta não constrói, quem constrói não projeta”, diz manifesto de mais de dez entidades do setor de Arquitetura e Engenharia, entre elas o CAU/BR, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e o SINAENCO (Sindicato da Arquitetura e Engenharia Consultivas). Ao abdicar da autoria do projeto completo, o Poder Público fica sem parâmetros para negociar com autoridade com a contratada os costumeiros pedidos de aditamentos de orçamentos e prazos, o que repercutirá igualmente no trabalho de fiscalização dos tribunais de conta.
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Na versão anterior, de 13 de julho, apresentada na mesma CEDN, o senador pernambucano previa ao menos a exigência de um projeto básico para os casos de “contratação integrada”. Argumentava, então, que tal exigência seria um “um salto no pré-requisito de planejamento”. Agora ele esqueceu o que disse. E na primeira versão, de 2 dezembro de 2015, quando relatou o projeto na Comissão de Infraestrutura, Fernando Bezerra Coelho previa que o instrumento só poderia ser usado para obras com valor superior a R$ 500 milhões. Agora vale para tudo.
Segundo o relator, entre 13/07 e 04/08, data do novo substitutivo, “tivemos a colaboração de técnicos da Casa Civil da Presidência, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e do Ministério da Transparência”.
Na opinião de Haroldo Pinheiro, o que está ocorrendo “é estarrecedor, algo completamente descolado da realidade que o país está vivendo, pois os únicos beneficiados serão as empreiteiras, protagonistas de destaque na Operação Lava Jato”.
“O documento jogou no lixo tudo o que se discutiu democraticamente em audiência públicas, debates e entrevistas, ocasiões que nossas entidades tiveram condições de oferecer aos políticos contribuições que a visão técnica nos possibilita. Em especial chamando a atenção dos legisladores sobre os malefícios do RDC, um instrumento fracassado, não apenas nas obras da Copa e das Olimpíadas, para o qual foi criado, mas em outros empreendimentos grandiosos, para os quais foi estendido, pois não se tem notícia de que tenha impedido atrasos ou aditamentos de contratos”.
Ele lembra ainda que a construtora Andrade Gutierrez, segunda maior do país, em seu “Pedido de desculpas e manifesto por um Brasil Melhor”, divulgado em 8 de maio último, após anúncio de acordo de leniência firmado com o Ministério Público em decorrência da Operação Lava Jato, propôs como medidas anticorrupção a “obrigatoriedade de projeto executivo de engenharia antes da licitação da obra, permitindo a elaboração de orçamentos realistas e evitando-se assim previsões inexequíveis que causem má qualidade na execução, atrasos, rescisões ou a combinação de todos estes fatores”.
O presidente do Sindicato Nacional da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco), José Roberto Bernasconi, alerta que ainda há muitos pontos discutíveis no parecer do senador Fernando Bezerra e que a pressa em aprovar o PL 559/2013 não é correta. Ele lembrou inclusive que o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), antigo relator do projeto, propos e a CEDN aprovou a realização de uma audiência pública para discutir o projeto, o que acabou não acontecendo. “O Sinaenco acha que é preciso tirar o PL 559/2013 da CEDN e acabar com essa urgência. O assunto é tão complexo quanto importante”, explicou Bernasconi.
Manifeste-se você também. Envie e-mail aos senadores da Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional pedindo que as obras só possam ser licitadas a partir de um projeto completo. Veja aqui a lista de e-mails dos senadores.

OUTROS RETROCESSOS – Outro ponto que caracteriza o retrocesso do substitutivo do senador Fernando Bezerra, segundo o CAU/BR, é a flexibilização – em relação inclusive ao previsto no RDC – das premissas técnicas que justificariam a Administração optar pela “contratação integrada”.
Haroldo Pinheiro considera igualmente “da maior gravidade” a incorporação pelo substitutivo do senador pernambucano da possibilidade da empreiteira contratada promover desapropriações. “A transferência para as construtoras de uma função típica do Estado, a desapropriação por utilidade pública, não necessariamente é o melhor financeiramente para o Poder Público e justo para com a sociedade, pois fere o legítimo direito dos proprietários negociarem com o governo seus interesses”.
Mais: o substitutivo do relator permite também que a empreiteira ganhadora da “licitação integrada” de uma obra pública se encarregue da obtenção do licenciamento ambiental do empreendimento. Caso a licença seja obtida somente após a celebração do contrato e implique em alteração substancial do anteprojeto, o substitutivo permite que a empreiteira peça unilateralmente a rescisão do contrato, mediante a remuneração do projeto pelo órgão contratante.
“Como o projeto quem faz é a empreiteira, o poder público fica refém de suas decisões sobre seguir adiante ou não com a obra, por não ter parâmetros para fundamentar qualquer exigência”, diz Haroldo Pinheiro. “Além disso, havendo rescisão, todo processo terá que recomeçar do zero, com nova licitação, novo projeto, novo pedido de licenciamento, etc, em prejuízo do interesse público”. Mais uma vez ele lembra que a construtora Andrade Gutierrez, em seu “Pedido de desculpas e manifesto por um Brasil Melhor”, propôs claramente a obrigatoriedade de obtenção prévia, pela Administração, de licenças ambientais, evitando-se contestações judiciais ao logo da execução do projeto e o início de obras que estejam em desacordo com a legislação”.
IDAS E VINDAS – No documento atual, o senador Fernando Bezerra Coelho voltou atrás também em uma exigência que, em dezembro, considerou outro um avanço importante na revisão da Lei de Licitações: a exigência de projeto completo para a licitação de qualquer obra pública, exceto aquelas enquadradas no regime de “contratação integrada”.
A obrigatoriedade existia nas duas versões anteriores, mas o substitutivo atual menciona apenas que é vedada a realização de obras e serviços de engenharia sem projeto executivo. “Só a existência de um projeto executivo completo elaborado antes da licitação da obra garante que os parâmetros definidos pela Administração para os custos, prazos e qualidade serão obedecidos e terão como serem fiscalizados, assim como auferidos pelos tribunais de conta”, enfatiza.
O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) , Sérgio Magalhães, estranhou a mudança de opinião do senador Fernando Bezerra, “Uma das justificativas é que a nova proposta favorece a elaboração dos projetos ao prever que serviços e obras só comecem com projetos executivos prontos. Isso é falácia, pois o projeto será elaborado pela construtora já então contratada”, criticou.
Também, diferentemente da segunda versão, o substitutivo atual não trata mais da realização de concursos públicos de projetos de Arquitetura para obras públicas. “Ou seja, o que está proposto é pior ainda que a Lei 8666/1993, que todos consideramos ultrapassada. Ela, ao menos, previa o concurso como uma modalidade preferencial. Nossa posição foi sempre em defesa da obrigatoriedade mas, de qualquer forma, a previsão da preferência é melhor do que nada”, diz Haroldo Pinheiro.
Outro item que surpreende é a inclusão do “diálogo competitivo”, sem qualquer debate anterior, entre as modalidades de licitação. O instrumento seria inspirado em legislações europeias. Segundo o substitutivo trata-se de um modelo em que “a administração pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento do diálogo”.
“É contraditório se falar em diálogo com empreiteiras quando o que vimos foi a inexistência de qualquer diálogo com a sociedade nessa reta final da revisão da Lei de Licitações”, diz Haroldo Pinheiro.
“As idas e vindas do relator foram muitas, em pouco espaço de tempo. É irresponsável aprovar uma legislação de tal importância sem uma ampla discussão com a sociedade, pois Leis de Licitações duram no mínimo duas décadas e as próximas gerações não podem sofrer pelos erros cometidos por decisões açodadas, em especial nesse momento em que o país exige ética no trato da coisa pública”, conclui o presidente do CAU/BR, lembrando que a própria CEDN aprovou a realização de audiência pública para discutir o relatório do 559/2013 antes de seu encaminhamento, para decisão final, para o Plenário do Senado.
Inicialmente a reunião da CEDN estava agendada para o dia 10/08, segundo o jornal O Globo, o que não ocorreu. A nova data, no entanto, está próxima.
Links relacionados:
Parecer aprovado da Comissão de Serviços de InfraEstrutura (02/12/2015)
Histórico completo do debate da revisão da Lei de Licitações
Publicado em 09/08/2016, atualizado em 11/08/2016