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Essa talvez seja a melhor síntese do processo de reforma e restauração da Sala Martins Pena, no Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília, reaberta ao público no dia 20 de dezembro de 2024.
Como patrimônio tombado e devido à dificuldade de acesso à estrutura original, diversos elementos estruturais foram descobertos após as demolições, gerando interferências no projeto arquitetônico, nas instalações e nas adaptações de acessibilidade.
Inicialmente projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, num esforço para concluir os prédios previstos para a capital federal, em 1975 o Governo do Distrito Federal convidou o arquiteto Milton Ramos que, com Niemeyer, estabeleceu modificações para a conclusão do projeto.
Com um investimento de R$ 70 milhões, viabilizado pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) e pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Sesec) do Governo do Distrito Federal (GDF), essa primeira etapa focou na adequação da infraestrutura às diretrizes atuais e na recuperação da Sala Martins Pena.
O projeto desta etapa foi realizado pelo escritório Solé Associados, do Rio Grande do Sul, sob a responsabilidade da arquiteta Antonela Solé. Reconhecido pela expertise em espaços culturais, o escritório trouxe soluções inovadoras para superar os desafios da obra.
Em Brasília, a execução da obra foi acompanhada e fiscalizada por uma equipe multidisciplinar da Novacap, coordenada pela engenheira civil Ana Paula Vidigal, pelo arquiteto e urbanista Juan Carlos Natcheff e por três engenheiros das áreas civil (Daiana Andrade), elétrica (Daniel Trombka) e mecânica (Diogo Pelles).
Por se tratar de um patrimônio tombado, toda a compatibilização do prédio foi analisada e aprovada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Após dois anos de obras, o resultado se torna um verdadeiro presente para a capital federal, revitalizando um espaço essencial para a cena cultural da cidade.
Para saber mais detalhes, o Perspectiva CAU ouviu profissionais envolvidos em sua reconstrução.
O arquiteto e urbanista Juan Carlos Natcheff destacou que, por se tratar de uma obra tombada pelo patrimônio histórico, um dos principais desafios foi acompanhar e respeitar as normas de tombamento. “Foi muito desafiador adequar o projeto às normas atuais de acessibilidade. O importante é que, com as soluções apresentadas, chegou-se a um meio termo sem ferir o tombamento do Teatro”, frisou.
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Acompanhe, a seguir, trechos da conversa com a arquiteta Antonela Solé.
Entrevista com Antonela Solé
Perspectiva CAU: Quais foram os principais desafios técnicos encontrados durante a reforma da Sala Martins Pena, especialmente em relação às interferências estruturais descobertas ao longo do processo?
Antonela Solé: Começamos esse trabalho em 2013, quando os métodos de levantamento não eram tão avançados quanto os de hoje. Não tínhamos nuvem de pontos nem rastreamento de parede. Tudo foi levantado manualmente, com o que havia de mais moderno na época: trenas elétricas e câmeras digitais. Baseamo-nos em um projeto considerado original do arquiteto Milton Ramos, uma cópia disponível no Arquivo Público.
O maior desafio foi descobrir que o projeto estava fora de esquadro, por causa da estrutura piramidal do edifício. Tivemos que adaptar o projeto já aprovado pelo Iphan e pelo Corpo de Bombeiros às limitações estruturais e legislações, como a atualização da NBR 9050 em 2015. Fazer a acessibilidade acontecer e ajustar as questões de saídas de emergência, para que as pessoas pudessem sair com segurança, sem interferir significativamente na originalidade do bem tombado, foi uma parte essencial do processo.
Outro ponto foi a descoberta de elementos não previstos, como vigas inexistentes no projeto e lajes maiores que o esperado, o que exigiu soluções para trabalhar essas interferências. Felizmente, contei com o suporte do engenheiro Bruno Contarini [in memoriam], responsável pelo projeto estrutural da obra. Mesmo aposentado, ele compartilhou informações valiosas e apaixonadas sobre o projeto, ressaltando a complexidade de trabalhar com Oscar Niemeyer, a quem definia como um “desafiante constante”.
Perspectiva CAU: O que distingue o projeto arquitetônico realizado pelo seu escritório, em termos de inovação, para atender às exigências de um patrimônio tombado como o Teatro Nacional Cláudio Santoro?
Antonela Solé: Trabalhamos com tecnologias inovadoras para a menor interferência possível no bem tombado. Foi esse o caminho utilizado, por exemplo, para manter o foyer da Sala Martins Pena visualmente igual ao original, preservando sua essência histórica. Se você chegar hoje ao foyer da Sala Martins Pena, olha e diz: “Mas está igual”. Era esse o objetivo!
Perspectiva CAU: Como o escritório conciliou as demandas de acessibilidade e modernização com a preservação da identidade histórica e cultural da Sala Martins Pena?
Antonela Solé: Usamos os vãos existentes, que descobrimos no levantamento, para minimizar interferências e manter características originais. Trabalhamos neles as circulações verticais de acessibilidade e os banheiros, adaptando-os à legislação atual e ao conforto dos espectadores. Antes da reforma, tínhamos apenas um banheiro no foyer da Sala Martins Pena.
Além disso, buscamos poltronas semelhantes às do designer Sérgio Rodrigues, preservando a identidade visual, e ajustamos a acústica da Sala, sem comprometer a essência do teatro.
Criamos espaços acessíveis, como banheiros e camarins adaptados, e incluímos um elevador para cadeirantes acessarem o palco. Nossa prioridade era garantir uma experiência completamente autônoma para pessoas com deficiência, permitindo que atuassem, se movimentassem e assistissem aos espetáculos sem auxílio externo.
A experiência do espectador foi uma preocupação constante. Trabalhamos sempre com o tripé palco, plateia e backstage, buscando harmonia entre as áreas, pois cada uma influencia diretamente a outra.
Perspectiva CAU: De que maneira a aprovação e o acompanhamento do Iphan influenciaram o desenvolvimento do projeto, especialmente nas etapas de compatibilização do prédio?
Antonela Solé: Trabalhamos de forma colaborativa com o Iphan e a Secretaria de Cultura em 2014, quando desenvolvemos e aprovamos o projeto em reuniões semanais. Essa parceria foi fundamental para garantir a integração da engenharia, arquitetura e outras especialidades. Agora, nosso trabalho foi adequar o projeto às novas regras de acessibilidade, que mudaram ao longo do tempo, mantendo a essência e promovendo soluções criativas e integradas.
Perspectiva CAU: Quais lições desse projeto podem ser aplicadas nas próximas fases de reforma do Teatro Nacional, como a Sala Villa-Lobos e os anexos?
Antonela Solé: O maior aprendizado foi acreditar na viabilidade do projeto. Durante anos, enfrentamos descrédito, ouvindo que seria impossível executar algo tão complexo e caro. Mas, com o apoio de gestores comprometidos, como a Novacap, a Secretaria de Cultura e o governo distrital, conseguimos mostrar que era possível.
Essa experiência nos dá confiança para continuar e concluir as próximas etapas. A Sala Martins Pena se tornou um símbolo de que, com planejamento e trabalho conjunto, podemos devolver o Teatro Nacional à sociedade como um espaço de excelência.