Diferentes visões e experiências marcaram o Seminário sobre Assistência Técnica do CAU/RJ realizado sexta-feira (7/4) na nova sede do Conselho. O evento contou com a presença de nomes como o do arquiteto e urbanista Nabil Bonduki e do ex-deputado federal Clovis Ilgenfritz, que ajudou a formular a Lei 11.888/2008, que garante a assistência técnica gratuita a famílias de baixa renda. O seminário abordou tanto a experiência de programas cariocas como o Programa de Aperfeiçoamento Profissional (PAP) e o Programa de Orientação Urbanística e Social (Pouso), como a da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab) e da especialização em Assistência Técnica da Universidade Federal da Bahia, entre outros.
“A importância da assistência técnica é consensual. A sociedade, os arquitetos e urbanistas, os políticos concordam. Mas avança muito pouco. Por que isso?”, indagou o presidente do CAU/RJ, Jerônimo de Moraes Neto. “Estamos abrindo as portas para essa discussão. Esperamos contribuir para o avanço”, afirmou. O objetivo do seminário, segundo a conselheira Marcela Abla, era traçar metodologias de atuação e as bases para um futuro curso de capacitação sobre o tema a ser desenvolvido pelo Conselho. Em 2017, os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo de todo o Brasil destinarão 2% de seus orçamentos para apoiar projetos de Assistência Técnica para Habitação Social.
Diante de um auditório lotado, o arquiteto e urbanista e professor da USP Nabil Bonduki abriu o ciclo de palestras. Ele destacou a participação do Conselho no debate sobre a Assistência Técnica. “Os 2% da receita do CAU não resolverão o problema, mas vão gerar uma experiência e mobilizar pessoas”, afirmou. Bonduki destacou a importância do autoempreendimento no Brasil. “Em momentos de crescimento da economia, aumenta a promoção pública de habitação social. Já a autopromoção da habitação popular acontece independente da crise. Neste segmento, o papel dos arquitetos e urbanistas não tem sido suficientemente visto como fundamental. Esse papel é desempenhado por outros atores”, disse. Para ele, a assistência técnica não estaria, unicamente, a cargo da esfera pública. O poder público deveria garantir instrumentos urbanísticos e condições de infraestrutura básica. “Dos cinco mil municípios brasileiros, quatro mil têm menos de 20 mil habitantes e não têm quadro técnico para formular programas de assistência técnica”.
INTERVIR NA CIDADE REAL E O “PÓS-JETO”
Para viabilizar a assistência técnica, Bonduki aposta no trabalho de organizações que não são diretamente ligadas ao Estado, integradas por arquitetos e urbanistas, mas também por profissionais de outras formações, incluindo estudantes. Segundo ele, a assistência técnica teria viabilidade econômica quando concentrada onde existir um programa de intervenção no conjunto do assentamento. Outro ponto importante levantado por Bonduki trata da “cidade real”, uma expressão citada diversas vezes durante o seminário. “Quando os arquitetos e urbanistas intervêm em um assentamento já existente há um padrão diferente do que as normas técnicas exigem. Talvez isso exija normas e disposições legais que tornem o profissional que atua nessas condições menos vulnerável. Como a responsabilidade técnica é assumida em casos de reforma e legalização de edificações irregulares?”, questionou.
O arquiteto e urbanista e ex-deputado federal Clóvis Ilgenfritz discordou em alguns pontos da visão de Bonduki. Para o criador do “SUS da habitação”, a assistência técnica deve contar com um repasse permanente de fundos públicos e se adequar à realidade local, sem desterritorialização. “O médico vai onde o doente está. Ele não atende apenas se tiver 20 ou 30 doentes. Se uma pessoa precisar, ele vai atender”, comparou. Ilgenfritz criticou o programa Minha Casa Minha Vida, que, segundo ele, contribui para a extensão da mancha urbana, reproduzindo indiscriminadamente soluções de baixa qualidade arquitetônica e construtiva, sem contar com a participação dos moradores. Em sua fala, o ex-deputado lembrou ainda que a Lei 11.888/2008 prevê que a assistência técnica pode ser realizada por profissionais autônomos, servidores públicos, ONGs, residentes acadêmicos e por programas de extensão universitária.
Para Gilson Paranhos, a realidade da profissão de arquiteto e urbanista exige uma mudança cultural. “Segundo pesquisa recente do CAU/BR, apenas 7% das obras são feitas com arquitetos e urbanistas. Precisamos nos focar nesses 93% para construir mercado”, pontuou. Ele contou um pouco da sua experiência à frente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab) e da necessidade de desafiar normas e procedimentos burocráticos incompatíveis com a realidade dos espaços. “Na Codhab, nós falamos em ‘pós-jeto’. Há uma necessidade de inverter o processo, em trabalhar sobre o que já está construído. Apenas em uma das comunidades do DF, a Sol Nascente, há 90 mil unidades habitacionais. Temos que estar em áreas muitas vezes ilegais, que não são do interesse das construtoras”, constatou.
ARQUITETURA E URBANISMO PARA TODOS
A secretária de Habitação de Limeira (SP), Marcela Siscão, e duas arquitetas e urbanistas do órgão, Lívia Lazaneo e Adriana Meneghin, viajaram cerca de 550 quilômetros de carro exclusivamente para assistir às palestras. Marcela Siscão disse que algumas experiências relacionadas à assistência técnica e habitação social foram iniciadas em seu município e que o grupo veio ao Rio para ouvir os relatos de outras experiências. Nomes como o do presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab), Gilson Paranhos, de um dos pioneiros do trabalho em assistência técnica Clóvis Ilgenfritz, do professor da USP Nabil Bonduki, também atraíram as arquitetas e urbanistas.
O estudante de arquitetura e urbanismo da Estácio Leo Lyra, de 30 anos, disse que compareceu ao seminário por seu interesse em temas como habitação social. Uma das palestras mais aguardadas por ele era a do professor Nabil Bonduki. Também interessada nas questões práticas da assistência técnica, Myrian Ferolla, que trabalha com gestão urbana na prefeitura de Mesquita (RJ), acompanhou o seminário. Ela considerou a proposta muito boa e disse ter gostado das exposições. Acrescentou ainda que, durante o próprio seminário, ela e outras duas pessoas da prefeitura começaram a debater sobre iniciativas que poderão trabalhar na cidade a partir do que ouviram.
Veja aqui como foi a segunda parte do evento.
Texto: Ascom CAU/RJ (Marta Valim)
Fotos: Ascom CAU/RJ (Ricardo Lopes)
Publicado em 12/04/2017