O Seminário Exercício Profissional, realizado pelo CAU/RS em Porto Alegre, debateu vários temas ligados à atuação de arquitetos e urbanistas. Planejamento urbano, acesso a moradias, obras públicas foram objeto de discussão entre profissionais de todo o Brasil. “Hoje, no Brasil, nós somos 160.000 arquitetos. Em 2010, nós éramos 90.000, um contingente bem expressivo de profissionais que estão ai para atender as demandas da sociedade no que diz respeito às habitações e aos espaços públicos”, afirmou o presidente do CAU/BR, Luciano Guimarães. “Um dos nossos maiores desafios é ampliar a comunicação com a sociedade em geral sobre a construção da cidade, o espaço público. O território de trabalho do arquiteto é o edifício, mas sobretudo as cidades, em todas as suas complexidades e demandas: espaço público, infraestrutura, ocupação do solo, gestão e planejamento”.
O ex-presidente do CAU/BR e do IAB Haroldo Pinheiro também esteve presente no evento. “Arquitetura é um bem cultural compulsório, ao andar pela cidade você vai consumindo boa ou má arquitetura e isso vai formando a cultura das pessoas também. Daí a responsabilidade muito maior que nós temos, e a administração pública também tem, de fazer cidades mais civilizadas e mais adequadas para a fruição da paisagem, algo que possa servir não somente para quem utilizar, mas também para quem vai passar pela frente e vai conviver com aquele prédio”, disse. Tiago Holzmann da Silva, presidente do CAU/RS, reforçou a necessidade de conscientizar a sociedade sobre como os arquitetos e urbanistas podem ajudar a melhorar a vida das pessoas. “Se alguém não tem como pagar para contratar um médico, ela pode usar o SUS. Se precisa de um advogado, pode pedir auxílio da Defensoria Pública. E se alguém precisa de um arquiteto, existe uma a lei que garante essa assistência técnica. A sociedade precisa entender essa importância e saber que tem esse direito”.
A coordenadora da Comissão de Exercício Profissional do CAU/BR, Lana Jubé, comparou a profissão de arquiteto e urbanistas à atuação de um maestro. “Todos devem estar afinados e saber da sua responsabilidade, não só do seu instrumento, mas do conjunto, mas o maestro é o responsável. Se ele faz um movimento errado, isso compromete a execução de todos os outros membros da orquestra. Na arquitetura, não é que alguém seja mais importante que outra pessoa. Mas cabe ao arquiteto o exercício de organizar todas essas informações e materializar isso como obra”, disse. Confira abaixo os principais pontos debatidos no Seminário Exercício Profissional do CAU/RS e os vídeos produzidos pelo jornal Sul21 com os participantes.
ASSISTÊNCIA TÉCNICA
Um dos temas debatidos em Porto Alegre doi a Lei de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS), que entrou em vigor em 2008. A lei assegura às famílias de baixa renda auxílio público e gratuito para o projeto e a construção de habitações de interesse social (centros comunitários, por exemplo) ou para sua própria moradia. Considerado por muitos o pai dessa lei, o arquiteto Clóvis Ilgenfritz afirma que há dois aspectos que interferem na aplicação efetiva da ATHIS: Por um lado, a falta de conhecimento e vontade política do poder público, que não consegue entender o alcance da proposta, e, por outro, a população que também não conhece e não pressiona para que a legislação seja aplicada. “Nós estamos em uma fase que, mesmo com dificuldades muito grandes, estamos furando esse bloqueio, tanto pelo lado institucional como pelo viés das comunidades. Ainda é um processo embrionário, mas já com grandes avanços no sentido de que estão acontecendo diversas experiências em vários pontos do país”, afirma.
O evento trouxe relatos de diversas experiências de aplicação da lei, como a implementação da Residência Profissional, curso criado pela Universidade Federal da Bahia e a experiência da nucleação dessa formação na Universidade Federal de Pelotas; o caso da realização do projeto de ATHIS em São Leopoldo, trazendo a experiência da Ocupação Cerâmica Anita; e o caso do projeto Morar Sustentável, que oferece apoio ao Assentamento 20 de Novembro, em Porto Alegre. Também foi abordado o Plano Estratégico para Implementação da ATHIS, realizado pelo CAU/SC, representado pela arquiteta Daniela Sarmento. “Quando você tem uma cidade que se resolve na perspectiva social, você afeta e impacta a questão ambiental, a questão da saúde, da autoestima, da sociabilidade e da violência, por exemplo. Quando você tem uma solução que promove a inclusão, você diminui esses espaços de distanciamento entre as pessoas”, afirmou.
OBRAS PÚBLICAS
Arquitetos e urbanistas também discutiram como como conseguir qualidade e preço justo nas obras realizadas pelo governo. Os profissionais foram unânimes em torno de um aspecto: é necessário enfrentar o pregão como forma de contratação para projetos de arquitetura e urbanismo. Luis Roberto Ponte, atual presidente da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul, enfatizou a importância da Lei de Litações 8.666, de 21 de junho de 1993. “Seja qual for a lei que venha a ser feita ou alterada, ela precisa respeitar a constituição, que traz quatro pontos essenciais nesse sentido: qualquer compra precisa de licitação pública, assegurar as mesmas condições a todos que participam da licitação, o contrato tem que manter as condições de pagamento da proposta e a garantia de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia de cumprimento”. Também participando da discussão, Cylon Rosa Neto, representante do Fórum de Infraestrutura (RS), ressaltou que “obra boa é obra pronta”. “Hoje em dia, não se busca o melhor custo-benefício, somente o melhor custo e esquecemos do benefício. Fazemos o pior uso do dinheiro público e não damos retorno para a sociedade”, disse.
Para o presidente do CAU/BR, o arquiteto Luciano Guimarães, o projeto é fundamental e contratar empresas somente pelo preço é um dos maiores crimes com o dinheiro público. “Se uma empresa oferece 30% a menos do que está no projeto, como essa empresa vai executar essa obra? O processo licitatório exige que se tenha consulta de mercado para depois fazer a licitação e quando chega no pregão o preço cai. Então quem está certo? O gestor público que fez essa tomada de preços ou o gestor da empresa que apresentou um orçamento abaixo? Como a sociedade vai fiscalizar a construção de uma escola se o projeto diz uma coisa e no pregão diz outro?”, questionou.
PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Outro assunto foi a preservação do do Patrimônio Cultural Brasileiro. De acordo com Lucas Volpatto, arquiteto que participou de diversas restaurações em Porto Alegre, como a da Igreja das Dores, no centro da Capital, pessoas compram casas antigas achando que vão poder demolir para realizar algum empreendimento no local. Quando são impedidas, acabam encarando de forma negativa. “Existem diversos tipos de proprietários de bens culturais, alguns querem e podem investir e outros, não. Eu sempre falo que restaurar não é mais caro que construir, o que acontece é que muitas vezes o imóvel ficou anos sem manutenção e, na hora de restaurar, o valor fica alto, mas, na verdade, isso é fruto do descuido e da ação do tempo”, explica. “Nós arquitetos e urbanistas temos o compromisso social de mostrar a importância e o que é o patrimônio cultural”.
Ceça Guimaraens, arquiteta carioca e conselheira consultiva do Iphan, órgão que zela pelo cumprimento dos marcos legais, efetivando a gestão do Patrimônio Cultural Brasileiro e dos bens reconhecidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Patrimônio da Humanidade, falou sobre o recente incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro. “Como um museu morre, da maneira como morreu o Museu Nacional Brasileiro, de uma maneira inesperada e inexplicável? Eu não acho que só o fato de não receber vistorias do corpo de bombeiros explique isso”, questiona. “Acredito que o principal seja a nossa pobreza material, que gera a deseducação, a falta de entendimento do acervo. Um museu como aquele tem não somente uma ação de guarda desses itens, mas uma ação de exposição, de ensino e de pesquisa sobre os objetos. Um museu não é somente um passeio. Um museu é um lugar de comunicação e o incêndio comunicou ao público a nossa pobreza de não ter o básico, como uma brigada de incêndio”.
Com informações do Jornal Sul21
Fotos: Maia Rubim/Sul21
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