
Vinte anos após a promulgação da Lei Federal 10.257/2002, que estruturou o Estatuto das Cidades, como estão os Planos Diretores nos municípios brasileiros? A aplicação deste instrumento responde às necessidades urbanas atuais? Procurando desenhar um retrato que permita planejar uma nova fase para as cidades, com mais participação dos arquitetos e urbanistas, o CAU Brasil promoveu no dia 18 de novembro o Seminário de Urbanismo: Planos Diretores Participativos e Justiça Social. O encontro reuniu integrantes das Comissões de Políticas Urbanas e Ambientais nos CAU/UF de cerca de quinze estados de todas as regiões brasileiras durante a 1ª Trienal de Arquitetura e Urbanismo, na sede do IAB-RS, em Porto Alegre. O seminário resultou num conjunto de propostas para influenciar a formulação de políticas urbanas e contou com a participação de nomes expressivos, como o arquiteto e urbanista Nabil Bonduki.
LEIA TAMBÉM: Nabil Bonduki: é preciso transformar o modelo de desenvolvimento urbano

Os debates em torno de garantias para o direito urbano e que deram origem no Estatuto das Cidades se prolongam por décadas, segundo o coordenador da CPUA do CAU Brasil, Ricardo Mascarello, mas seguem necessários. “Passamos por retrocessos especialmente na última década, em vemos planos construídos ‘de cima pra baixo’, prefeituras como coadjuvantes e declínio dos processos de participação”, afirmou. Segundo o conselheiro, representante do estado do Sergipe, a ação propositiva do CAU diante do debate sobre os Planos Diretores se potencializa com o momento político. “A cada evento da CPUA, procuramos estruturar os debates e com o novo governo, que aponta para a reestruturação do Ministério das Cidades, isso se potencializou no Seminário de Urbanismo”, afirmou. Para o coordenador, os debates fortalecem a ação política do CAU iniciada com a Carta dos Arquitetos e Arquitetas e Urbanistas aos candidatos. “Quando há mudança de governo, novas perspectivas que se abrem. Temos a expectativa da volta dos Ministério das Cidades e desejamos contribuir com este processo” afirmou.

“A missão do CAU Brasil é potencializar o trabalho que a CPUA vem fazendo nos estados para que nos tornemos referência para a sociedade, para o poder público e para o poder judiciário nas questões que envolvem os arquitetos e urbanistas, como a valorização e regramento da nossa profissão”, afirmou o conselheiro federal pelo estado do Rio Grande do Sul, Ednezer Flores, que representou a presidente Nadia Somekh na abertura do evento . A expectativa, segundo o conselheiro, é que o produto dos debates do Seminário de Urbanismo resultem em um “instrumento para os novos tempos”. “O plano diretor tem que ser debatido, enriquecido e se tornar pauta do governo desde o grupo de transição do governo federal eleito para que nossas pautas cheguem lá e se tornem planos de governo e planos de Estado”, disse.
ASSISTA À ABERTURA

A vice-presidente do CAU/RS, Andréa Ilha, saudou os convidados. “Para nós, é muito gratificante sediar este evento sobre planos diretores, dentro da programação da nossa trienal de Arquitetura e Urbanismo, num momento tão oportuno, um momento político com uma perspectiva da gente poder retomar as discussões sobre as nossas cidades com participação popular nas decisões”, disse.

Em sua saudação aos presentes, o presidente do IAB-RS, Rafael Passos, falou sobre a importância do planejamento urbano como bem público. “Precisamos planejar cidades coordenando os recursos financeiros, naturais e humanos. E só se faz isso através do conceito de ‘público’. Precisamos recuperar o sentido de público porque ele está sendo apagado. O estado e os governos têm um papel fundamental de fazer isso e o planejamento Urbano é a ferramenta fundamental para que nós cheguemos a acordos comuns”, afirmou Passos.
PLANOS DIRETORES PARA CIDADES DIVERSAS

Segundo dados divulgados pela Confederação Nacional de Municípios com base na Pesquisa de Informações Básicas Municipais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (Munic/IBGE), até 2005, apenas 14,5% dos Municípios possuíam Plano Diretor. Em 2019, este percentual subiu para 51,5% – 2.866 das 5 568 cidades brasileiras. A aplicação do Estatuto das Cidades enfrenta problemas comuns e, ao mesmo tempo, diversos, já que a realidade dos territórios é complexa.

A programação do Seminário de Urbanismo procurou oferecer um retrato deste amplo cenário em cidades de diferentes portes. O primeiro caso apresentado foi o de São Paulo. O arquiteto e urbanista Nabil Bonduki falou sobre as principais características do Plano Diretor Estratégico (PDE) aprovado em 2014 após amplo debate público. Considerado modelo por prever um conjunto de ferramentas inclusivas, o plano abrange sistemas de transporte público, moradia, meio ambiente e cultura. É produto de 114 audiências públicas, 25.692 participantes e 10.147 contribuições.

Em seguida, o público acompanhou a apresentação do coordenador da CPUA-CAU/RS, Pedro Araújo, sobre a experiência de estruturação do Conselho gaúcho para acompanhar os processos de construção e revisão de planos diretores e as definições sobre a política urbana nas cidades. Procurando mapear e organizar a intervenção dos arquitetos e urbanistas em conselhos de controle social que tratam das questões relacionadas ao espaço urbano, o CAU criou um fórum que congrega mais de cem entidades ligadas ao tema. Para incentivar a participação e envolver a sociedade civil, promoveu cursos de capacitação e está produzindo uma cartilha com orientação para a revisão dos PDs.

Por fim, a arquiteta e urbanista Rose Compans, doutora em planejamento urbano e regional pelo IPPUR/UFRJ, falou sobre o Plano Diretor da capital fluminense. Aprovado em 1992, o Plano Diretor do Rio de Janeiro antecipou instrumentos que apenas dez anos mais tarde seriam reconhecidos pelo Estatuto da Cidade, como organização consorciada das cidades, IPTU progressivo e outorga onerosa do Direito de Construir. Após ser revisto, segundo a Rose Compans, o instrumento perdeu qualidade. “Foi um plano avançado que passou por revisões que pioraram que aumentaram o seu potencial destrutivo.

À tarde, o público acompanhou a apresentação do arquiteto e urbanista Fernando Domingues Caetano. Funcionário do Paranacidade, órgão ligado à Secretaria do Desenvolvimento Urbano e de Obras Públicas (SEDU) que tem a tarefa de executar ações de política de desenvolvimento institucional e regional, Caetano ofereceu um panorama dos planos diretores no estado do Paraná Secretaria de Estado. Também falou sobre a relação entre os PDs e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo o arquiteto, embora a aplicação dos planos diretores favoreça o alcance de uma série de metas de desenvolvimento, as desigualdades nos territórios em escala local dificultam a aferição deste desempenho.
ASSISTA À SEGUNDA PARTE DO EVENTO:
A realidade dos pequenos e médios municípios diante dos desafios da aplicação do Estatuto das Cidades também teve espaço no Seminário de Urbanismo. A partir da realidade de municípios do Sergipe, o coordenador da CPUA-CAU/BR, Ricardo Soares Mascarello apontou os desafios de acomodar os interesses sociais e econômicos no espaço urbano. O coordenador também apresentou uma lista de projetos em tramitação no Congresso Nacional, alguns dos quais interferem na ordenação dos territórios nas cidades.
O Seminário de Urbanismo encerrou com uma oficina “Um olhar sobre os planos diretores”, que procurou sistematizar as reflexões que surgiram ao longo do evento e formular propostas para balizar um plano de ação.
Leia também
Trienal celebra a Arquitetura e Urbanismo em Porto Alegre