“Os Arquitetos e Urbanistas e as Relações de Trabalho” foi o tema da segunda mesa do VIII Seminário Legislativo de Arquitetura e Urbanismo no dia 26 de outubro. O debate pretendeu analisar o impacto das mudanças estruturais mais recentes do mundo do trabalho, como as reformas trabalhista, tributária e administrativa, sobre o exercício da arquitetura e urbanismo. A partir do contexto, o CAU Brasil, as entidades do CEAU e a Câmara Federal procuraram propiciar aos arquitetos e urbanistas oportunidades de refletir sobre como aperfeiçoar modelos e ampliar oportunidades de trabalho.
A Deputada Érika Kokay foi a mediadora do encontro, que contou ainda com a participação do vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino da Arquitetura (ABEA), Carlos Eduardo Nunes Ferreira; a arquiteta Taiane Beduschi, representando a Federação Nacional dos Arquitetos (FNA); e a Arquiteta Ana Fernandes.
Na palestra de abertura, o sociólogo Roberto Veras, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, falou sobre as transformações desafiadoras que incidem sobre o modelo do trabalho do Brasil, provocando os arquitetos e arquitetas a refletirem sobre a condição como trabalhadores e trabalhadoras diante deste contexto.
Veras, que foi pesquisador do UCLA, Instituto de Pesquisa sobre Trabalho e Emprego ligado à Universidade da Califórnia/EUA, fez um resgate das mudanças que se desdobram sobre os trabalhadores brasileiros no período mais recente, a partir dos anos 90. Para o sociólogo, a flexibilização das relações de trabalho pode ser atribuída à combinação da implantação de inovações tecnológicas e dos novos processos de mudança de gestão e produção. Ajustado ao contexto brasileiro, este modelo que se repete mundialmente produz efeitos como a alta rotatividade no emprego, frequente burla da legislação e terceirização.
Como resultado, aponta o sociólogo, temos um modelo inflexível que propicia aos empresários maior poder discricionário na contratação da força de trabalho. A precarização se acentua com as novas modalidades, como autoemprego, contratações informais e por meio de aplicativos. “Em economias com a brasileira, a introdução de inovações técnico-organizacionais permite a empresas globais e nacionais se utilizarem das precárias condições de vida próprias da periferia das grandes cidades do país”, exemplificou. A associação deste quadro à pandemia aprofundou ainda as características do desemprego, home office, distribuição desigual do trabalho de gênero, faixa etária, raça e etnia.
O sociólogo também alertou para o desafio das organizações sindicais, mencionando a necessidade de renovação dos seus métodos para exercer a representação de trabalhadores diante deste complexo contexto.
Na sua intervenção, a deputada Érika Kokay acrescentou que a lógica rentista da economia vem provocando a desestruturação do mercado de trabalho. “Um capitalismo que não produz não precisa ter relação com trabalhadores e trabalhadoras”, disse a parlamentar.
Segundo a parlamentar, muitos discursos sobre empreendedorismo escondem uma lógica de desregulamentação e a precarização que subtrai dos trabalhadores o seu direito ao tempo. “Nós estamos vivenciando a necessidade de retomar as lutas das mulheres nova-iorquinas que deram origem ao 8 de março (Dia Internacional da Mulher) e dos trabalhadores de Chicago que originaram o 1º de maio (Dia do Trabalho) lutando pelo seu tempo”, afirmou.
Érika Kokay citou como exemplo a regulamentação do trabalho intermitente. “O trabalho intermitente arranca dos trabalhadores a sua condição de donos e donas do seu tempo para que possam se organizar e vivenciar o conjunto das atividades humanas que nos cabe nesta mágica condição humana”, disse. Érica Kokai também saudou a pertinência do debate e as ações desenvolvidas pelo CAU Brasil para contribuir com o direito à cidade.
O professor Carlos Eduardo Nunes Ferreira, representante da ABEA, elogiou a oportunidade de reflexão que o seminário representa. Ele lembrou que a formulação coletiva já trouxe soluções importantes na história recente das cidades e do exercício profissional, como a criação da Lei da ATHIS, da categoria das Zonas Especiais de Interesse Social no Estatuto da Cidade e do Minha Casa Minha Vida-Entidades. “Foram alternativas para soluções específicas desafiadoras como as que os novos profissionais de arquitetura e urbanismo estão enfrentando. Espero que possamos ampliar as nossas perspectivas de futuro com este seminário”, disse.
A representante da FNA, Taiane Beduschi, do escritório Arquitetura Humana, associou o desafio profissional dos arquitetos ao seu compromisso social, afirmado pelo Código de Ética. A arquiteta se posicionou sobre a criação de uma figura jurídica que contemple a atividade dos arquitetos e urbanistas.
“A figura do Microempreendedores Individuais (MEI) é uma solução precarizada e que não se enquadra na natureza da nossa profissão, que já é regulamentada. É preciso pensar em outras soluções que atendam à demanda de desprecarizar o nosso trabalho”, afirmou Taiane. Para a arquiteta, há necessidade de refletir sobre qual tipo de pessoa jurídica é mais adequado, considerando a condição do trabalho coletivo que é exercida pelos arquitetos.
A última convidada a usar a palavra foi a arquiteta Ana Fernandes, que acrescentou elementos ao cenário oferecido pelo palestrante, considerando as complexas relações que regem a atuação profissional e o perfil dos arquitetos. Ana lembrou que apenas 4% dos profissionais da área são negros e pardos, contrastando com a maioria da população brasileira. “Fortemente submetidos à “pejotização”, os arquitetos e urbanistas também têm segmentado suas atividades e poucos recebem o salário profissional.”
As questões que dizem respeito à organização e fiscalização do trabalho não se solucionam individualmente” afirmou. Para Ana Fernandes, a valorização do arquiteto é mais palpável quando se associa o seu trabalho ao produto que ele entrega à sociedade. “Essa relação intrínseca entre o trabalhador e a produção da habitação de interesse social é fundamental para associar o direito ao trabalho ao direito constitucional e à política pública”, finalizou.
A presidente Nadia Somekh encerrou o debate com um agradecimento à Câmara Federal pelo espaço e acolhida. “Agradecemos todo o carinho desta Câmara Legislativa e a todos os que podem nos ajudar a melhorar as cidades brasileiras e o trabalho dos arquitetos. Os desafios estão lançados, mas juntos encontramos alguns caminhos”, afirmou
O VIII Seminário Legislativo de Arquitetura e Urbanismo é uma promoção conjunta do CAU Brasil, da Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Câmara dos Deputados e das organizações que compõem o Colegiado Permanente das Entidades Nacionais de Arquitetos e Urbanistas (IAB, FNA, ABEA, AsBEA, ABAP e FeNEA). O evento acontece nos dias 26 e 27 de outubro em formato on-line, com transmissão ao vivo pelo canal do CAU Brasil no Youtube e também pelo canal E-Democracia, da Câmara dos Deputados.
Confira a programação completa do VIII Seminário Legislativo de Arquitetura e Urbanismo