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Severiano Mário Porto, o “arquiteto da floresta”, falece aos 90 anos

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) lamenta informar o falecimento do arquiteto e urbanista Severiano Mário Porto, vítima da Covi-19, ocorrido às 11 horas de hoje (10/12/20) em Niterói. O sepultamento ocorrerá no cemitério Parque da Colina, em Niterói, em 11/12, às 13 h. Devido à situação de pandemia, o velório será reservado somente à família.

 

Severiano Mario Porto, nascido em Uberlândia em 19/02/1930, tinha 90 anos de idade.  Mundialmente conhecido como o “arquiteto da floresta, ou “arquiteto da Amazônia, “ele foi responsável por conceber um modelo único de arquitetura amazônica e sustentável, que une técnicas desenvolvidas por ribeirinhos e caboclos com as mais modernas e inovadoras criações na arquitetura”, diz nota de pesar do CAU/AM. 

 

Severiano desenvolveu muitos projetos no Amazonas entre eles:  o Estádio Vivaldo Lima, 1965, e o restaurante Chapéu de Palha, de 1967,  ambos já demolidos. Em 2016, por iniciativa da Assembléia Legislativa do Amazonas, com envolvimento do CAU/AM, diversas de suas obras foram tombadas, por seu interesse arquitetônico, histórico e cultura. Entre elas, está o Fórum Henoch Reis, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-AM), a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a Sede da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), o Banco da Amazonia e o Centro de Proteção Ambiental de Balbina, hoje em ruínas.  

 

Centro de Proteção Ambiental (Baldina), hoje em ruínas

                                                      

Depois de premiado na Bienal Internacional de Arquitetura de Buenos Aires, em 1985, ele alcançou renome internacional, o que é confirmado em 1987, quando é homenageado como o homem do ano pela revista francesa “L’Architecture d’Aujourd’hui”.

 

Presidente-fundador do IAB no Estado do Amazonas, em 1976, e um dos fundadores da AsBEA, Severiano também exerceu a função de professor de arquitetura e urbanismo na Faculdade de Tecnologia da Universidade do Amazonas, de 1972 a 1998. Depois de 36 anos vivendo em Manaus, o arquiteto retorna ao Rio de Janeiro, e transfere o escritório para Niterói, onde passou a morar. Em 2003 recebe o título professor honoris causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro – URFJ. O arq

 

Severiano Mário Porto (1930-2020)

 

Severiano Mário Porto pertencia  ao grupo de “arquitetos peregrinos, nômades e migrantes”  (nas palavras do arquiteto e crítico Hugo Segawa) que a partir dos anos 1950 deixam os grandes centros do país, sobretudo o Rio de Janeiro, em busca de novas oportunidades de trabalho.

 

Sede da Suframa, em Manaus  (foto Iucana Mouco)
Suframa (foto “A Crítica”)

 

“Severiano Porto se destaca no cenário arquitetônico nacional pela obra construída no Amazonas desde os anos 1960, sendo cultuado desde 1980 como um arquiteto regionalista que sabe aproveitar de forma criativa os materiais e os costumes do lugar. Mais conhecida pela valorização e o uso da madeira amazônica bruta, a sua obra, entretanto, não se restringe a esse material. A atenção dada às condições específicas da região não impede que ele utilize outros elementos e técnicas construtivos, como o alumínio, o cimento amianto, o concreto e o aço. Isso porque, em seus projetos, se orienta mais pelo clima, programa, materiais, técnicas e recursos financeiros disponíveis do que por anseios românticos ou nostálgicos” (Enciclopédia Itaú Cultural).

 

Severiano Porto, por Paulo Caruso. [Revista Projeto 83, 1986)

“A NATUREZA CRIA, O ARQUITETO INTEGRA “

O portal ArchDaily lembrou um episódio que mostra um pouco do espírito de Severiano: “é a história de seu carro que trazia em destaque um adesivo do IAB com a frase “a natureza cria, o arquiteto transforma”. Contestando a afirmação, o arquiteto rasurou severamente a palavra “transforma”, sobrepondo a ela o termo “INTEGRA”. Para Severiano Mário Porto o arquiteto integra”. 

 

“Além de admirador de sua obra, tive a oportunidade de desfrutar inúmeras vezes da companhia e dos conhecimentos de Severiano Mário Porto em suas frequentes vindas a Fortaleza para visitar o professor Neudson Braga, de quem era muito amigo, ou participar de eventos culturais no IAB e em universidades”, conta o presidente do CAU/BR, Luciano Guimarães.  “Era uma pessoa afável, muito atencioso com os mais jovens. Seu discurso sobre seus projetos era empolgante. Sua obra é a expressão máxima da união da arquitetura com a cultura local, com uso de materiais regionais, mas com total respeito à natureza. Foi um pioneiro na arquitetura sustentável, um desbravador na organização da categoria na região norte e dedicado educador. Severiano ficará na galeria de nossos maiores talentos”.

 

“Severiano Mario Porto insistiu nas melhores práticas humanísticas no contexto do seu tempo”, afirmou a presidente do IAB/DN, Maria Elisa Baptista.. “Ele combinou cultura, razão, técnica e ecologia nas suas obras, o que faz do seu legado hoje uma referência universal”.

 

 

Estádio Vivaldo Lima, Manaus (demolido)

 

TEXTO-HOMENAGEM DA NETA ARQUITETA

 

Em 2015, na passagem dos 85 anos de Severiano Mário Porto, sua neta e também arquiteta Paula Porto prestou uma homenagem ao avô em texto publicado pelo CAU/AM:

 

Severiano tinha apenas cinco anos de idade quando seus pais anunciaram que se mudariam para o Rio de Janeiro. Ele, que nascera em 19 de Fevereiro de 1930 em Uberlândia, MG, era filho de Mário de Magalhães Porto e Maria de Lourdes Vieira Porto, educadores pouco tradicionais, que buscavam revolucionar o ensino no Brasil.

 

A mudança para a capital não fora por acaso. Mário e Maria de Lourdes haviam sofrido uma certa repressão ideológica em Minas e migraram para o Rio buscando o ambiente propício para suas inovações.

 

O Rio de Janeiro era o berço cultural do Brasil. As ruas, repletas de estrangeiros, expiravam diversidade e liberdade de expressão e havia uma crescente adesão ao movimento moderno. O nacionalismo da Era Vargas intensificava a busca pela essência brasileira, liderada por Tasila do Amaral e Mario de Andrade.

 

Nesse contexto, Severiano cresceu e estudou. Influenciado por pais idealistas e apaixonados por educação, contou com um ensino abrangente, que considerava as artes como parte essencial do aprendizado. Severiano e sua irmã, Calota, tiveram até aula de musica, mas ele, apaixonado pelo desenho, logo decidiu ser arquiteto.

 

Severiano ingressou na Faculdade Nacional de Arquitetura e fez bons amigos, que se tornariam seus futuros parceiros profissionais. Era membro da famosa Turma do Barulho, composta por alunos críticos e muito responsáveis, mas que adoravam aprontar brincadeiras nas horas vagas. Morriam de rir ao assistir colegas tentando pegar as moedas que soldavam no chão e já foram até flagrados tomando banho na caixa d’água da escola.

 

Fez parte do Clube de Excursionistas e praticava muitos esportes como natação, polo aquático e alpinismo. Naquele tempo, o grupo já tinha visão ecológica e senso questionador e Severiano não hesitava em candidatar-se para pequenos cargos administrativos dentro do seu curso.

 

Graduou-se em 1954 e continuou trabalhando na Construtora Ary C. R. Brito por cerca de 11 anos. Neste período, o país estava em crescimento e passava pelo Plano de Metas de JK. O mercado absorvia toda a mão-de-obra qualificada, e a arquitetura brasileira tinha reconhecimento internacional. A cultura aflorava em diversas áreas e, ao som da Bossa Nova, nomes como Afonso Reidy e Oscar Niemeyer se consagravam.

 

Na década de 60, a política do Brasil era de desenvolver seu interior, principalmente após o golpe militar, e profissionais qualificados começaram a ser requisitados em diversas partes do país. O Governador do Amazonas, Arthur Reis, havia sido vizinho de Severiano no bairro de Botafogo e pede para ele faça o projeto da Assembléia Legislativa de Manaus.

 

Em 1964, Severiano voa pela segunda vez para a cidade e se apaixona. O local, ainda pouco desenvolvido, contava com a presença da floresta exuberante e de homens que se relacionavam intensamente com a natureza. O projeto da Assembléia, que nunca saira do papel, abriu portas para ele explorar e transformar sua arquitetura.

 

Severiano passou dois anos entre Manaus e Rio, envolvido em obras como o Estadio Vivaldo Lima e alguns edifícios institucionais, até decidir levar a família para a cidade.

 

            “Moramos no Hotel Amazonas por três meses até papai terminar de construir nossa casa. Ela era toda de encaixes em madeira, o que agilizou muito o processo.

            Ninguém entendeu muito bem a decisão dele, de morar em um banho. Na época, se pensava que homem morava em cidade”

                                                                                                           Mario Porto, filho, 2015

 

A primeira residência da família Porto foi na Rua Recife, 1762. Neste mesmo sítio, Severiano apropriou-se de um salão separado da casa, para ser seu local de trabalho. Quatro ou cinco pranchetas decoravam o ambiente e seus projetos voavam de Manaus para o Rio, aonde mantinha um segundo escritório, gerenciado por Mário Emílio Ribeiro.

 

O tempo passava e ele ganhava cada vez mais intimidade com aquele ambiente. Aprendeu com o homem nativo, técnicas construtivas em madeira e formas de se relacionar com a floresta. Diversos tipos de projetos surgiam e Severiano, sempre muito estudioso, imergia em cada um deles.

 

Antes de projetar, pesquisava muito. Viajou o mundo ao lado de sua esposa e companheira Gilda, visitando obras e observando soluções empregadas em diversas situações. Estudava a natureza e a cidade, pesquisava materiais e buscava referências em programas arquitetônicos de projetos já concluídos. Não baseava sua arquitetura em escolas estilísticas, mas sim nas relações que esta estabelecia com o meio ambiente.

 

            “Seus projetos saiam sempre na última hora. Não que ele estivesse a toa até     aquele momento, mas, pelo contrário, estava observando, adquirindo e digerindo informações. Quando o prazo se aproximava, virava muitas noites até colocar tudo no papel e, como era muito correto, não admitia atrasos ou falhas.”

                                                                                                           Rosane Porto, nora, 2015

 

Em 67 construiu o restaurante Chapéu de Palha, premiado pelo IAB. A este projeto, com estrutura circular coberta por “telhas” de palha encaixadas sobre ripas de madeira, dedicava um carinho especial. A obra já demolida, era um exemplo de como a simplicidade formal sugeria as tradições e origens locais.

 

No início da década de 70, construiu sua segunda casa, também na Rua Recife.

 

            “Era uma casa muito bonita, com um jardim de inverno que ocupava grande parte do primeiro andar. A escada era de madeira vermelha, rústica e fechada por um cobogó de concreto. Lembro de papai sentado na sala, observando o efeito da luz  entrando pelos tijolos de vidro amarelo.”          

                                                                                                                      Mario Porto, filho, 2015

 

Os anos seguintes foram de muito trabalho e dedicação. Projetou cerca de 300 obras, sendo algumas consideradas grandes exemplares da arquitetura brasileira. Recebeu diversas premiações, tanto por seus projetos individuais quanto pelo o conjunto de suas obras e seu papel enquanto arquiteto.

 

Dedicou-se também ao ensino de arquitetura por cerca de 30 anos e era um professor exigente, mas inspirador. Sua paixão pela educação, originada por seus pais, era explícita em suas aulas, cuja dinâmica incorporava prática projetual à academia. Foi homenageado inúmeras vezes por suas turmas da UFAM e, mais tarde, da UFRJ.

 

Hoje Severiano mora em Niterói. Alguns anos atrás, foi diagnosticado com Alzheimer e já apresenta um quadro bastante avançado. Apesar da doença ter apagado a maior parte de suas memórias, Severiano ainda possui aquele mesmo olhar, profundo e distante, de quem percebe o mundo de uma forma diferente. Ele observa, nos mínimos detalhes, a beleza daquilo que nos envolve, respira fundo, pega sua gaita e transforma em música. E sua harmonia se mistura delicadamente ao ambiente, assim como fez sua arquitetura.

Paula Porto – arquiteta e neta de Severiano Mário Porto”

 

Residência Robert Schuster (Manaus)

 

HOMENAGEM DO CAU/AM

 

Segundo o arquiteto e urbanista Jean Faria, presidente do CAU/AM, a vida de Severiano Porto está enraizada na história da Amazônia. “Estamos todos tristes com essa perda.  Severiano é um grande expoente da arquitetura no Brasil e certamente fará falta”, lamentou Jean.

 

Em 2017, o CAU/AM promoveu a 1ª Edição da Exposição Fotográfica ‘Severiano Mário Porto’,  por iniciativa da Comissão de Política Profissional, Política Urbana e Ambiental (CEPUA), com o objetivo o resgate de seu importante legado. Os  arquiteto e urbanistas Gonzalo Renato Nunez Melgar e Heraldo Costa dos Reis e a fotógrafa Iuçana Mouco assinaram a exposição, que reuniu as principais obras do arquiteto e urbanista na Amazônia: 

 

1965 – Estádio Vivaldo Lima, Manaus (demolido)

 

1967 – Restaurante Chapéu de Palha (demolido)

 

1969 – Edifícios como a sede da Petrobrás

 

1971 – Sede da Superintendência da Zona Franca de Manaus Suframa, Manaus (tombado)

 

1971 – Residência do Arquiteto, Manaus

 

1973 – Campus da Universidade da Amazônia (UFAM) (tombado)

 

1978 – Residência Robert Schuster, Tarumã, Manaus

 

1983 – Centro de Proteção Ambiental de Balbina, Presidente Figueiredo (tombado, hoje em ruínas)

 

1979 – Pousada dos Guanavenas, Ilha de Silves

 

1992 – Parque Urbanização de Ponta Negra, Manaus

 

1994 – Sede da Aldeia Infantil SOS (ONG vinculada à Unesco)

 

Novas homenagens foram prestadas pelo CAU/AM em 2018, 2019 e em fevereiro de 2020, na passagem dos 90 anos do arquiteto, com a realização de mostras e palestra sobre sua obra.

 

VEJA TAMBÉM:

= Arcoweb: Especial Severiano Porto

= Vitruvius: coletânea dos artigos sobre Severiano Mário Porto publicados pelo portal

= Tecnologia BIM: construção digital da Vila Baldina: preservando o projeto de Severiano Mário Porto

= Arquitextos: Severiano Porto: Sintaxe e processo, que futuro (s) ? (artigo de Gonçalo Castro Rodrigues, arquiteto)

 

 

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