Apesar de ser reconhecido internacionalmente, premiado diversas vezes no Brasil e no exterior, existem poucas exposições ou livros publicados sobre os projetos e obras de Severiano Porto. Esse projeto, que terá minha curadoria, pretende preencher essa lacuna. Para bem atender a esses objetivos será reunida uma equipe de estudiosos da obra do arquiteto e críticos de arquitetura como Hugo Segawa e Ruth Verde Zein.
Muitos dos projetos desenvolvidos na região são premiados pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), como o Restaurante Chapéu de Palha, 1967 (demolido), a Residência do Arquiteto, 1971, e a Pousada da Ilha de Silves. O conjunto de sua obra é premiado na Bienal Internacional de Arquitetura de Buenos Aires, em 1985, e ele alcança renome internacional, que é confirmado em 1987, quando é homenageado como o homem do ano pela revista francesa L’Architecture d’Aujourd’hui.
Um ano antes a parceria de Severiano e Mario Ribeiro é reconhecida pelo prêmio Personalidade do Ano, que os arquitetos recebem do departamento carioca do IAB. Em Manaus, Severiano também exerce a função de professor de Arquitetura e Urbanismo na Faculdade de Tecnologia da Universidade do Amazonas, de 1972 a 1998. Depois de 36 anos vivendo em Manaus, o arquiteto retorna ao Rio de Janeiro, e transfere o escritório para Niterói, onde passa a morar. Em 2003 recebe o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ).
SOBRE SEVERIANO PORTO
Integrando as gerações de arquitetos e urbanistas que vivenciaram de perto o início do processo de difusão do modernismo na arquitetura brasileira, Severiano Porto, formado em 1954 pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, optou por trabalhar em Manaus, onde construiu uma arquitetura própria – a um só tempo moderna, regional e contemporânea.
Severiano Mário Vieira de Magalhães Porto, natural de Uberlândia (MG), forma-se em 1954 pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integra as gerações de arquitetos que vivenciaram de perto o início do processo de modernização do País, conseqüente do crescente emprego da técnica sobre bases científicas na transformação da sociedade: da industrialização, da intensificação do processo de urbanização e também de internacionalização da cultura. Processo de modernização que foi mediado pela adoção de políticas públicas dirigidas à ocupação do território nacional, envolvendo a ampliação da rede urbana e da infra-estrutura das cidades (tornando-as estruturas mais diretamente operadas) a partir de uma ideia de racionalidade quase compulsória, regida pelo movimento mundial de expansão e intensificação do capitalismo e de sua lógica.
Nesse quadro geral, constituiu-se em arquitetura o processo de formulação dos valores que comporiam a modernidade e que teria no Rio de Janeiro papel de destaque. Determinando mudanças de paradigmas, alguns pioneiros cariocas, por um intercâmbio com Europa e Estados Unidos, contribuíram para a formação de um ambiente de inquietação e de buscas. A visita de Le Corbusier ao Brasil, em 1929, e a reforma introduzida por Lucio Costa no curso de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes, em 1930, são testemunhos desse movimento.
A evolução desse processo culmina na formulação do ideário arquitetônico modernista brasileiro, reconhecido como original internacionalmente e, com isso, constituindo um crescente reconhecimento e valorização do papel modernizador da arquitetura e do arquiteto. Processo que culmina na criação de Brasília e, no geral, encontra certa formalização no Plano de Metas de Juscelino Kubitschek.
A partir do golpe de 1964 a condução do País assume feição autoritária e centralizadora, mas ainda francamente desenvolvimentista e pautada por políticas públicas que buscam, por meio da planificação, capacitar o Estado a intervir, operar e controlar o próprio processo de modernização. Cria-se, assim, um contexto expansionista e modernizador que estimula a construção civil e sua expansão pelo território nacional, no qual vários arquitetos se farão pioneiros, seja por levar os métodos da disciplina arquitetônica, seja por propagar a modernização ou mesmo o modernismo.
Com seu trabalho em Manaus, onde se instalou em 1965, Severiano Porto integra o grupo de arquitetos que promoveu tal propagação. Segawa os denominou Peregrinos, Nômades e Migrantes, em referência à disseminação apontada, a qual potencializa, assim, que a arquitetura brasileira assuma certa feição regionalizada.
REGIONAL E MODERNO
A obra de Severiano Porto é comumente referida como relativamente inaugural e manifestação genuína de uma ideia de regionalismo brasileiro. Se em parte tal noção nos aproxima de suas características, ao mesmo tempo coloca sua obra em um plano aquém do que merece. Essa ideia de regionalismo resulta de uma análise feita a partir de parâmetros exclusivamente modernistas – tanto sob viés que procure “negar” qualidades, como no que reputa as maiores qualidades ao modernismo no Brasil.
É a partir da “aplicação ou não” do ideário modernista que se toma a obra de Severiano como “regionalista”: moderna ou “pós-moderna”. Porque sua obra seria distinta, mas ao mesmo tempo contemporânea, do que se julga a partir dessa análise mais comum, ser quase obrigatório, ponto comum a todos: a tradição nacional-modernista da arquitetura brasileira de excelência.
O papel do modernismo no Brasil é inegável, até mesmo como fundador, por assim dizer, da arquitetura e de sua disseminação como disciplina. Mas há grande variedade de maneiras como seus preceitos foram e ainda são tomados (quando são tomados). Sob este aspecto a obra de Severiano nos apresenta originalidade das mais potentes.
Vicente Wissenbach, jornalista, fundador e ex-publisher da revista ProjetoDesign. é o curador da exposição “Severiano Porto: a visão amazônica da arquitetura moderna brasileira”, que está sendo produzida pela Archimidia. O projeto prevê também a edição de um livro especial sobre o arquiteto e sua obra.