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“Sistema Único de Habitação” – artigo do arquiteto e urbanista Washington Fajardo

Em entrevista à Folha de São Paulo o deputado estadual Marcelo Freixo (RJ), entre outras coisas, disse que levou o ativista Guilherme Boulos até a residência da produtora Paula Lavigne para uma reunião. O paulista Boulos lidera movimentos de luta pela moradia social e pela inclusão urbana. A visita à Zona Sul carioca soou como paradoxo para alguns. Muito comentou-se nas redes sociais com críticas distribuídas a todos.

 

Se mais pessoas, com influência sobre seus pares, abrissem suas casas e principalmente seu tempo, como fez a senhora Lavigne, poderíamos amadurecer conhecimentos sobre uma chaga nacional que é invisível aos olhos leigos. A elite não pode mais ignorar a desumana ausência de politica habitacional no país. O diálogo entre diferentes precisa ser louvado como ato cívico.

 

As denúncias de Boulos são importantes. Contudo é difícil identificar soluções no discurso que não seja a revolução. Se as ocupações de imóveis ociosos também são necessárias, apresentar modos de resolver é fundamental pois corre-se o risco de transformar o sofrimento das pessoas em massa de manobra ideológica e isso é tão vil quanto o problema em si.

 

O desejo ainda é por clichês da guerra fria. Atacar a burguesia e a propriedade privada, esquecendo-se da agonia de quem não tem casa. De quem não tem cidade. Métodos caducos para objetivos anacrônicos.

 

A realidade nua e crua é que as administrações do PT não desenvolveram uma política habitacional para o país apesar da sua história na defesa da Reforma Urbana. E não será agora que será feito. Este é um assunto para 2019. O risco é que as eleições deste ano serão alimentadas por medo e raiva, não havendo espaço à razão e à leitura de propostas.

 

Pode acontecer de inaugurarmos um novo ciclo mas continuarmos presos em cidades que maximizam a segregação, reproduzindo eternamente desigualdade territorial, onde o desenho de encaminhamento de propostas se dará pelo outro lado do discurso estatista, ou seja, a moradia acessível resolve-se exclusivamente pelo mercado. Balela.

 

O jeito mais errado de resolver é dizer que caberá somente ao Estado a produção habitacional. O Minha Casa Minha Vida foi tempo do país jogado fora. E recursos. Dos 294,5 bilhões de reais colocados no programa de 2009 à 2016, 98,5% dos financiamentos destinaram-se a construtoras e empreiteiras e apenas ridículos 1,5% foram para entidades de luta pela moradia. A tipologia recorrente são condomínios fechados, antítese de urbanidade. Os edifícios são mal construídos e mal projetados, resumindo, são feios. Sem design. Isso implica em acelerada depreciação dessas casas. Estimulou-se a propriedade privada e nenhuma solução de locação subsidiada, como há em todas as cidades mais competitivas do mundo.

 

Vivemos um deserto de práticas. Nosso desafio é grande. Precisamos aprender a fazer. Pois a política habitacional é sistema onde Estado e mercado trabalham juntos.

 

Cabe a União clarear conceitos, metas e, se possível, ofertar recursos. Existe um Plano Nacional de Habitação. Vamos segui-lo? Os três níveis de governos precisam interagir para definir as prioridades. Combater a ociosidade das regiões centrais, a degradação dos bairros populares existentes e desenvolver as regiões metropolitanas.

 

Os municípios têm papel decisivo pois cabe-lhes a regulação do solo e o direito de construir. Tanto devem adotar práticas de zoneamento inclusivo, onde planos de estruturação de bairro precisam prever coeficientes de habitação social, quanto devem desburocratizar a construção. A informalidade é competidora para a produção regular de moradias. Sempre será mais fácil e barato fazer favela do que fazer cidade formal.

 

A Secretaria de Urbanismo do Rio apresentou um novo Código de Obras e Lei de Uso do Solo que podem dinamizar a produção residencial na cidade. Contudo se não combater a ociosidade de imóveis na Região Central e bairros da Leopoldina, por meio do IPTU progressivo e não der relevância a programas habitacionais, o tiro pode sair pela culatra. É necessário manter investimentos em urbanização de favelas, apoiar os Pousos, promover assistência técnica para melhorias habitacionais, resgatar a reabilitação de imóveis históricos, como o Novas Alternativas e o Edital Pro-APAC. E como gesto simbólico desse compromisso restaurar o belo conjunto da Vila Operária da Rua Salvador de Sá, de 1906, antes que desabe.

 

Incidem sobre a construção exigências que não fazem mais sentido como lei estadual que obriga fazer a instalação de gás quando essa deveria ser uma decisão da demanda. Gera impacto no projeto arquitetônico e no custo da obra. Enquanto isso na Rocinha muitas casas usam cooktop, o fogão elétrico, pois os cômodos têm dimensões exíguas e a energia é furtada.

 

Precisamos de SUS da Habitação, uma metodologia que regule a interação entre os governos, entre financiadores como CEF, FGTS e BNDES, e que estimule a produção de moradias, feitas pelo Estado e também pelo mercado, visando a diversidade social e demográfica. Priorizando a inclusão urbana. Ao longo da vida as pessoas terão diferentes casas mas sempre dentro da cidade, de qualidade, e não fora, segregadas.

 

Essa é uma prioridade nacional.

 

O arquiteto e urbanista Washington Fajardo é conselheiro federal suplente do CAU/BR pelo RJ

 

Fonte: O Globo

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