A mesa redonda “Todos os mundos”, composta pelo presidente da Comissão Organizadora do UIA 2020 RIO, o arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães, e pelos relatores do Congresso, os arquitetos e urbanistas Bete França, Nivaldo Andrade e Margareth Pereira, aprofundou o direcionamento das proposições feitas nas discussões anteriores e ajudou a estabelecer as bases para a condução dos trabalhos da implementação do 27◦ Congresso Mundial de Arquitetos.
O jornalista e documentarista Paulo Markun, mediador do debate, propôs que mesa refletisse sobre a capacidade do Brasil para nivelar a discussão do Congresso. Para ele, as discussões no evento precisam integrar a presente a realidade urbana do mundo contemporâneo, onde se expressam a diversidade e a multiplicidade das formas e dos modos de produção das cidades. Markun chamou a atenção para a realidade brasileira e destacou que o país não resolveu questões básicas como a do saneamento nem mesmo na cidade-sede do UIA 2020, o Rio de Janeiro. O jornalista questionou se seria possível, por exemplo, pensar em prédios inteligentes dentro de um planejamento de ocupação urbanística em um Brasil que convive com o crescimento desordenado e com condições precárias de habitação.
O tom da discussão passou pela avaliação do atual momento de crise política e moral pelo o qual o país passa, em especial a cidade do Rio de Janeiro no período pós grandes eventos esportivos. Os debatedores foram instigados a avaliarem como encaminharão, dentro de um Congresso de visibilidade mundial, questões tão peculiares da realidade brasileira, e ao mesmo tempo tão similares as vivenciadas por populações em regiões pobres da África e Ásia.
Bete França, professora da Fundação Alvares Penteado (FAAP) e do Núcleo USP Cidades, avaliou que os problemas da cidade do Rio de Janeiro, sede da 27ª edição do Congresso, não devem ser escondidos. Para ela é justamente o contrário: uma grande oportunidade para unir forçar e buscar soluções criativas e replicáveis no âmbito global. “A ideia é abranger temáticas comuns sobre a falta de estrutura e sobre as fragilidades que muitas cidades que virão ao UIA 2020 também enfrentam. É importante pensarmos em projetos que possam ser replicados globalmente para sanar as dificuldades inerentes ao cotidiano das metrópoles”, destacou. Para a arquiteta e urbanista, outro desafio do Congresso será o de pensar qual o projeto de país que que se almeja e isso passará por uma ampla discussão sobre políticas para habitação, migrações, etc.
O presidente da Comissão Organizadora do 27◦ Congresso Mundial de Arquitetos, Sergio Magalhães, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou que o cenário de escassez no Brasil deverá ser parte fundamental do debate do UIA 2020 RIO. Sergio Magalhães lembrou que 180 milhões de brasileiros moram nas metrópoles e que 50% das cidades não têm esgoto adequado, assim como também não têm transporte e outros serviços públicos universalizados e muito menos segurança. Para ele, o profissional de Arquitetura e Urbanismo deve exercer o protagonismo na transformação social e por isto é tão importante sensibilizá-lo.
“Tudo o que se refere ao espaço para as pessoas é de responsabilidade dos arquitetos e urbanistas. O UIA 2020 será uma grande oportunidade para congregar esforços e mobilizar centenas de profissionais. No caminho até 2020, teremos a missão de organizar os temas e promover uma interlocução intensa e positiva com toda a sociedade”, ressaltou Magalhães. Na avaliação dele, o Congresso será um passo importante para melhorar a vida nas cidades. Hoje em dia, na avaliação de Magalhães, é preciso ampliar o debate sobre a diversificações das cidades. “Existe um esforço teórico da valorização do espaço público, mas as políticas são contrárias. Quando se pensa em obras públicas, por exemplo, estamos planejando um crescimento sustentável ou apenas servindo aos interesses do empresariado da construção?”, questionou.
Sergio Magalhães aproveitou o debate para trazer ao conhecimento do público a proposta das entidades nacionais que representam a Arquitetura e Urbanismo no Brasil de que seja criada uma lei específica para licitação de projetos e obras públicas que, diferente das licitações de bens de materiais, trate os projetos de edificações, desenvolvimento urbano e paisagismo como serviços técnicos de natureza intelectual e de criação. “Depois de tudo o que soubemos referente a Odebrecht e a sofisticação do departamento de operações estruturadas, por exemplo, é inadmissível que o país continue contratando e fazendo obras públicas da mesma maneira. A não existência de projetos completos é uma afronta, apenas para citar um exemplo. Ou se muda a mentalidade agora ou de nada terá servido tudo o que vivemos”, desabafou Magalhães. Para ele, os próximos três anos, que antecederão o UIA 2020, será um excelente palco para amplificar a extenuar as discussões sobre o tema.
Para Margareth Pereira, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a natureza humanística da Arquitetura e as relações interpessoais darão a tônica para o UIA 2020. “Não será possível passar ao largo de questões de natureza política, de integração de conhecimento. A precariedade tem modos diferentes de ser vivenciada, mas é a mesma. Por isto, falamos em um só mundo no cerne do Congresso Mundial”, avaliou. Segundo Margareth, o papel social do arquiteto e urbanista tão debatido até os 70 se diluiu. Houve recuo, mas também houve uma democratização do acesso da informação. Ela avalia que diante do cliente coletivo que é a cidade e sua pluralidade de voz, se faz necessário estudar e rever o papel do profissional. “ É desafiador para o Brasil acolher o Congresso Mundial diante deste cenário de crise, contudo, também é uma oportunidade para se reinventar”, avaliou Margareth.
Nivaldo Andrade, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Arquitetos (IAB) e coordenador-geral do encontro internacional ArquiMemória5, reforçou que escassez e fragilidades, apesar de cenários e motivações diferentes, surtem efeitos semelhantes em todos os lugares. Andrade exemplificou: enquanto alguns países são impactados por transformações climáticas, o Brasil vivencia uma tragédia como a de Mariana, Minas Gerais, que deixou um rastro de destruição dos ecossistemas muito similar ao que ocorreu em lugares devastados por desastres naturais. Para Andrade, é possível comparar a migração territorial da população síria, guardada a devida proporção, ao fenômeno que ocorre no interior de alguns estados brasileiros quando surgem cidades inteiras rapidamente ao lado de entrepostos comerciais. Para o arquiteto e urbanista, a própria mobilidade profissional é um ponto a ser considerado dentro de um debate amplo sobre fronteiras.
“Os profissionais migram de um país para o outro, conforme as oscilações do mercado. Nos idos dos anos 1990, por exemplo, Portugal recebeu um número grande de arquitetos brasileiros. Já nos anos 2000, quando o país se preparava para receber os grandes jogos esportivos, houve um movimento contrário com a vinda de profissionais portugueses para o Brasil. Agora, com o aprofundamento da crise na construção civil no país, Portugal volta a ser um destino preferencial de arquitetos e urbanistas brasileiros. O mundo ficou menor e mais complexo”, avalia Andrade. Para o presidente nacional do IAB, cada vez mais será importante posicionar o arquiteto dentro do contexto social e aumentará a necessidade de reinvenção profissional. “Devemos entender que o UIA 2020 não se encerra em si e que devemos nos questionar diariamente sobre qual é o papel que o arquiteto e urbanista exerce na promoção da qualidade de vida das pessoas”, conclui.