O Palco Mundo do UIA2021RIO, o 27º Congresso Mundial de Arquitetos, recebeu, na tarde de segunda-feira (19), premiadas arquitetas da sua lista de keynote speakers: Elizabeth de Portzamparc, brasileira radicada na França; a alemã Anna Heringer; e Tatiana Bilbao, do México. Mulheres que oferecem à arquitetura contemporânea potentes visões de mundo, afastando-se de uma lógica técnica e funcional do ofício, as três cativaram o público com suas reflexões.
Elizabeth de Portzamparc trouxe à discussão o conceito de “Arquitetura Nexus”, que defende a conexão entre diversos elementos na hora de se pensar e fazer arquitetura. Já Anna Heringer defendeu um método de trabalho focado na justiça social e na inclusão de comunidades em projetos que podem transformar suas vidas. Por fim, Tatiana Bilbao promoveu uma poética apresentação da casa como ato social, que abriga rituais para os quais a arquiteturadeve sempre olhar.
ELIZABETH DE PORTZAMPARC E A ARQUITETURA DE CONEXÕES
Elizabeth de Portzamparc introduziu os debates da segunda tarde de UIA2021RIO. Vencedora de prêmios como o Future Heritage Award (2016) e o Prêmio MIPIM de Design (2005), e dona deduas medalhas do Senado Francês pela carreira, a arquiteta e urbanista assina obras como o Musée de la Romanité de Nîmes (França), o Tramway de Bordeaux (França), o Hotel Les Arènes (Marrocos) e a Biblioteca do Campus Condorcet (França) –a maior biblioteca de Ciências Humanas da Europa.
Ao público do congresso, Elizabeth apresentou o conceito de “Arquitetura Nexus”, explicando que “nexus” é uma palavra latina que é sinônimo de conexão, embora, no Brasil, o termo “nexo” seja usado para definir algo que faz sentido e é lógico. Ela é defensora de uma arquitetura de conexões, que contempla a interligação de todas as dimensões da realidade, incluindo fatores sociais, econômicos, culturais, históricos, ecológicos e científicos. Durante sua fala, explicou que a cidade se baseia em sistemas interativos e que a tradição de uma visão urbana funcionalista afeta negativamente a vida cotidiana dos habitantes.
–Eu gosto da riqueza da palavra nexo, dizendo que o significado das coisas vem das relações que elas estabelecem entre si, ou seja, a ideia só faz sentido se ela mantém relações com outros assuntos. Eu uso Nexus para definir minha visão de arquitetura: tudo o que ela é e tudo o que ela contém. A arquitetura é inseparável de uma visão de mundo, comprometida tanto com a transformação social quanto com sua preservação. Como na natureza, cada edifício pertence a um ambiente com o qual deve estar em harmonia. Ele se instala, modifica e evolui com o lugar, passando a pertencer ao ecossistema com o qual irá evoluir –disse Portzamparc.
ANNA HERINGER ENFATIZA A NECESSIDADE DE JUSTIÇA SOCIAL
Motivada pela crença de que a arquitetura é uma ferramenta para melhorar vidas, a alemã Anna Heringer descreveu, no UIA2021RIO, sua forma de trabalhar como sendo pautada pela sustentabilidade, pela inclusão e pela justiça social. Ao longo da palestra, a arquiteta apresentou alguns de seus trabalhos: a escola que criou em Rudrapur (Índia); Anadaloy Bangladesh, centro para pessoas com deficiências e oficina têxtil; e o Albergue Bamboo, na China. Em todos, Heringer buscou utilizar materiais que fossem favoráveis à comunidade local e ao meio ambiente.
Para ela, a melhor estratégia para o desenvolvimento sustentável é buscar os recursos disponíveis na região, sem ficar dependente de fatores externos, valorizando materiais como terra, lama e bambu. Entre estes elementos, Heringer aponta a lama como campeã de uso, devido à possibilidade que ela apresenta de ser reciclada inúmeras vezes sem sofrer perda de qualidade; além disso, pode ser retornada ao solo e ter um jardim plantado por cima. A arquiteta também ressaltou a importância da energia humana, para que pessoas –crianças, adultos ou idosos –se envolvam na construção dos projetos, uma vez que o material usado não apresenta risco aos envolvidos.
Anna falou sobre a importância de um pensamento sistêmico, que considere tudo e todos os impactados pelo trabalho de um arquiteto desde o princípio:
–Quando escolho um material, pergunto-me quem ficará com o lucro. E, no fim da minha carreira de arquiteta, quando eu estiver a somar todos os orçamentos de construção que passaram pela minha mão e pelos quais fui responsável, quero poder dizer a mim mesma que foi para os artesãos e para as pessoas, e não apenas para as grandes indústrias.
A alemã apontou, ainda, o problema de se utilizar apenas uma estratégia de construção, que se aplica a ⅓da população mundial, enquanto a outra parte não consegue pagarpelo uso da tecnologia. Essa diferença de poder aquisitivo entre nações não deveria, portanto, levar algumas pessoas a se sentirem no direito de consumirem mais recursos. Ela destacou que não há carência de materiais, nem de informações, mas de relações realmente boas. Ao tratardaclássicadiscussão na arquitetura “a forma segue a função ou a função segue a forma?”, Anna concluiu:
–Aforma segue o amor.
TATIANA BILBAO: O FASCÍNIO PELOS RITUAIS DO ESPAÇO DOMÉSTICO

–Fui criada para entender hábitos humanos para construir espaços sem banir rituais. Uma das coisas mais importantes que eu compreendi é que ritual significa vida, e como é importante a relação entre o indivíduo e a sua comunidade. Os monges têm uma comunidade interna, na qual todos trabalham para manter o corpo e sustentar a espiritualidade. Essas relações são escaladas dentro do mosteiro. Nós ainda não entendemos isso na comunidade, mas estamos sempre em busca desse tipo de relação. Vivemos num mundo onde tudo é privado ou público, individual ou coletivo. Esquecemos a compreensão das relações que precisamos criar e manter para nos sustentar –disse Tatiana.
A aqueles que assistiam à palestra, Tatiana levantou, então, o questionamento: “Onde a vida pode, de fato, existir nesses ambientes domésticos que criamos?”. Para ela, é papel do arquiteto ir atrás dessas conexões –não apenas físicas, mas também de uma pessoa ou família com a casa, porque isso acaba determinando toda a vida em sociedade. Desse modo, os habitantes precisam se envolver na reflexão sobre o espaço, trazendo à tona seus hábitos, sentimentos, emoções, atividades do dia a dia e estilo de vida. A mexicana crê que o que há de mais urgente na arquitetura é como ela pode se tornar uma plataforma que coloque a existência humana como centro de tudo, e não a produção.
Tatiana Bilbao assina obras como o Central Park Mazatlan (México), a Torre de Guatemala (Guatemala) e a Monarch Sustainable Neighbourhood Angangueo (México).