O Estatuto das Cidades, que dia 10 de julho completou 20 anos, foi um dos temas dos Diálogos com a Sociedade desta quarta-feira (21/7) dentro do UIA2021RIO. A produção faz parte do conteúdo exclusivo do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU Brasil) e da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), com a colaboração do CEAU para o congresso. Dentro do tema ‘A Cidade e o Futuro’, com a participação de representantes de várias entidades, o debate teve como diretriz o que precisa ser feito para que a sociedade começa a fomentar o planejamento urbano.
O debate teve início com a apresentação do documentário inédito “20 anos do Estatuto das Cidades -Utopia ou luta?’, uma realização da FNA que contou com depoimentos de arquitetos e urbanistas que viveram o momento de sua criação e relataram as deficiências na gestão dos instrumentos previstos na lei. Para todos os que deram o seu depoimento, há necessidade de luta constante para fazer valer o que está escrito no Estatuto e evitar que a legislação sirva apenas para beneficiar o capital imobiliário. O filme contou com a participação de Ermínia Maricato, José Roberto Bassul, Eduardo Bimbi, Betânia Alfonsin, Raquel Rolnik, Clara Ant, Nelson Saule, Evaniza Rodrigues e Benedito Barbosa.
Carlos Eduardo Nunes-Ferreira, arquiteto e urbanista, vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA) e coordenador do CEAU/RJ, mediou o debate dividido em duas mesas. Segundo ele, a legislação brasileira voltada à política urbana é, até certo ponto, avançada em alguns critérios, citando como exemplo o regramento das ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social). Na mesa que tratou do Estatuto das Cidades, Ferreira provocou os convidados a comentar sobre as deficiências da legislação assinada em 2001 na contemplação da política urbana nacional.
O Estatuto das Cidades é uma conquista ampla e memorável pela sua proposta do direito à cidade. No entanto, a arquiteta e urbanista Luciana Schenk, presidente da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP), lembra que a entidade tem uma atuação voltada ao ensino e formação e, dentro da prática profissional contempla questões ligadas à infraestrutura.
“O Estatuto tem o Plano Diretor (PD) como principal instrumento que abrange os municípios, e ali também está presente o zoneamento ambiental. Esse sombreamento é um desafio, pois o zoneamento possui a bacia hidrográfica como unidade de planejamento, enquanto o PD carrega outra prerrogativa. E toda a questão da paisagem não está contemplada no Estatuto das Cidades”, afirmou. De acordo com ela, essa ausência está materializada nas cidades de hoje, destacando que o foco exacerbado nas cidades constitui um grande problema atualmente dentro do Estatuto.
Para o arquiteto e urbanista e 2° vice-presidente do IAB/PR, Walter Gustavo Linzmeyer, o Estatuto das Cidades é um compêndio que concentra as grandes dificuldades da falta de planejamento urbano ao longo dos anos no Brasil. Segundo ele, o Estatuto empresta a proposta do direito à cidade dentro de um planejamento e projeto de gestão democrática participativa via Planos Diretores. “Mas seu maior legado, ainda é a grande dificuldade de fazer valer justamente a obrigatoriedade de a lei ser cumprida no rito e no direito”, pontuou.
O vice-coordenador do DOCOMOMO-RJ, arquiteto e urbanista Paulo Eduardo Vidal Leite Ribeiro, levou para a live a experiência do Rio de Janeiro, cidade onde atua, para exemplificar que um território com múltiplos e diversos elementos naturais e culturais se mostra extremamente complexo diante das prerrogativas do Estatuto das Cidades. “Estamos em um ambiente, complexo, com um patrimônio e áreas imensas entre o mar e a montanha. Para lidar com isso são necessários instrumentos de gestão dessa paisagem, que vão desde legislação urbanista até questões relativas ao meio ambiente”, salientou.
Segundo ele, a implementação da lei do Estatuto depende muito das gestões municipais. “Muitas vezes, os Planos Diretores refletem os instrumentos do Estatuto das Cidades, mas em grande parte deles, não há uma lei municipal que viabilize a implantação ou o uso desses instrumentos”, disse.
É fato que o Estatuto das Cidades tem grande importância como legislação que instrumentaliza a luta pelo direito à cidade. No entanto, para a estudante de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS Nicole Brazeiro boa parte da população desconhece a sua existência. A constatação vem de sua própria experiência, pois como pesquisadora voluntária do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo (EMAU UFRGS), Nicole percorre favelas em Porto Alegre e já pode se deparar com essa realidade.
“Como a população vai reivindicar dos entes públicos se nem ao menos sabe sobre os seus direitos?”, questionou ela, criticando ainda o fato de a legislação possuir uma linguagem voltada apenas ao mercado imobiliário. Como estudante do 8° semestre, Nicole também questionou o embasamento dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, o que, segundo ela, não registram mudanças há cerca de 30 anos, muito antes do surgimento do Estatuto das Cidades. “Se não mudarmos o ensino, não seremos capazes de formar profissionais atentos a demandas sociais”, alertou.
ALCANCE DA POLÍTICA URBANA
A segunda mesa de debates ‘O alcance da Política Urbana’ iniciou com a reprodução de trechos do ciclo de lives “Nossas Cidades 2021”, promoção do CEAU, com produção do CAU Brasil, realizado em 2020 para subsidiar a “Carta aos Candidatos a Prefeitos e Vereadores”. Participam do ciclo especialistas de diversas áreas, políticos e representantes dos movimentos sociais, que falaram sobre as necessidades da política urbana para as cidades e a importância de um trabalho integrado entre diversas áreas do conhecimento para colocar em prática essa nova forma de gestão.
Para a arquiteta e urbanista Miriam Addor, integrante Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (AsBEA) e conselheira do CAU/SP, o ciclo evidenciou a importância da atividade multidisciplinar no enfrentamento das mazelas urbanas e na construção coletiva de um planejamento para as cidades. “Essa não é uma atribuição apenas do arquiteto e urbanista, não somos os únicos maestros do planejamento urbano. Somente a união de várias áreas será capaz de resolver um impasse que ainda não foi equalizado para o entendimento das políticas urbanas”, sentenciou.
Na mesa também mediada por Carlos Eduardo Nunes-Ferreira, a arquiteta e urbanista e integrante do Conselho Consultivo da FNA, Valeska Peres Pinto, salientou que a legislação do Estatuto das Cidades é digna de uma ‘Suécia’, serve de exemplo para o mundo todo, mas esbarra quando o assunto é tirar as leis do papel e colocá-las em prática. “Precisamos ir para a ação e mudar a correlação de forças na sociedade para construir políticas públicas. Os invisíveis somam mais de 40 milhões de pessoas e acredito que o problema não está no plano técnico e nem no plano legal, mas, sim, do exercício da política”, destacou a coordenadora do Programa Melhores Práticas da UITP Latin America.
Jeferson Dantas Navolar, arquiteto e urbanista , segundo vice-presidente do CAU Brasil, usou trechos de escritas do pensador Ladislau Dowbor para mostrar o que precisa ser feito. “Estamos em meio a maior oportunidade (pandemia), diria que em plena dor do parto, para dar uma resposta antiga a algo já bastante conhecido: precisamos de políticas públicas locais, produção e consumo locais”, afirmou. Para ele, a produção de espaços independentes propicia o exercício da cidadania, assim como ações ambientalmente e socialmente corretas. “Estamos destinados a enfrentar esse desafio agora e no pós-pandemia”, conclamou.
Transmitido simultaneamente à exibição no congresso, o debate terá sua gravação publicada nos canais de YouTube do CAU Brasil e da FNA a partir do dia 23, após o término do UIA2021RIO.