Há 30 anos residindo no Brasil, atuando intensamente em Arquitetura Social, o arquiteto argentino Jorge Jáuregui concebeu um novo verbo, a partir de sua experiência: “urdimbrizar”. O significado é elencar, conectar, permitir continuidades, fazer cidade e costurar o tecido urbano a partir da formulação do esquema de leitura da estrutura de territórios favelizados. O termo serve também para expor o trabalho do arquiteto colombiano Alejandro Echeverri, com intensa atuação em projetos em Medellin. Ele propõe, para a mesma situação, convergir o maior número de aliados e atores a fim de criar projetos de melhorias dessas localidades.
Ambos participaram do terceiro debate da Semana Aberta do UIA2021RIO, sob o tema “Arquitetura na Favela”, dentro do eixo temático Fragilidades e Igualdades, realizado dia 24 de março, com mediação de Evelise Grunow, arquiteta e editora-executiva da revista Projeto.
Jorge Jáuregui, que dirige o escritório Atelier Metropolitano, entende a Arquitetura na favela como parte de políticas públicas urbanas inclusivas. Para ele, discutir a situação das favelas é um dos temas mais transcendentes do Planeta, onde há milhões de pessoas morando em condições de desigualdade, decorrente da falta de acesso aos serviços e benefícios da urbanidade.
Uma das filosofias do seu trabalho é ouvir as demandas dos moradores, fator que conduziu projetos de sua autoria como o Rio Cidade-Catete, e sua participação no programa Favela-Bairro, atuando em 15 comunidades, no Complexo do Alemão e em Manguinhos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, entre outros. A atuação do arquiteto segue a premissa de fazer e pensar, e pensar é fazer, ou seja, como ele mesmo explica, “é uma ida e volta permanente e sem fim”. As metodologias adotadas por ele derivam da prática e do trabalho em equipe, que envolve muitos especialistas e a intervenção de diversas disciplinas.
A atuação em favelas, segundo Jorge, deve considerar as soluções existentes, potencializá-las e introduzir outras novas que vão ressignificar completamente os lugares nas quatro escalas do Urbanismo: pequena, média, grande e territorial. Seu trabalho é inter e transdisciplinar e proporcionou a inclusão de diversos equipamentos em diferentes comunidades como escolas, creches, rampas para acessibilidade, parques e praças comunitárias de multiuso.
Numa linha de atuação semelhante, o arquiteto Alejandro Echeverri avalia que a Arquitetura e o Urbanismo podem ajudar a construir melhores histórias para as pessoas, que são o centro dos processos complexos das cidades. Também acredita que o trabalho dos arquitetos nunca é uma solução definitiva e que está em permanente transição, e por isso é fundamental compreender o momento e verificar quais as melhores ferramentas a serem utilizadas para solucionar os problemas.
Alejandro Echeverri é diretor do Centro de Estudos Urbanos Ambientais e de Gestão Social – URBAM, um laboratório da Universidade EAFIT, da Colômbia, focado em projetos urbanos e rurais que tentam convergir, de alguma forma, várias disciplinas e olhares. Há mais de 20 anos atuando em bairros (assim são denominadas as favelas na Colômbia) em Medellín e em outras cidades, Alejandro acredita que o mais relevante na estratégia e na escolha a serem adotadas por arquitetos, urbanistas e paisagistas talvez esteja relacionado com a noção de tentar conectar e construir processos que ajudem a construir uma história entre as comunidades, que têm suas próprias prioridades, e entender quais lugares têm significado para elas e tentar gerar uma certa conexão.
Sobre sua atuação, especialmente em Medellín, Alejandro destacou o quanto é relevante a convergência de alianças entre os setores público, privado, social e acadêmico. Esses segmentos, segundo ele, deram origem a muitos projetos existentes na cidade e foram responsáveis por ações e eventos que realmente traduzem um pouco o sonho do que Medellín gostaria de ser.
“Os programas e projetos que têm se sustentado depois de 15 ou 20 anos contam com um potente suporte social e institucional e são aqueles criados com um nível maior de aliados e de atores. Muitos dos projetos de Arquitetura e Urbanismo bem elaborados, mas muito verticais, com direção muito mais, digamos autônoma, e uma decisão unitária do governo, depois de alguns anos e com as trocas de governos, demostraram grande fragilidade”.
Quando há uma aliança social com a comunidade local, governo, setor privado e diferentes organizações desde o início, assegurando um alto nível de vozes e lideranças, os projetos têm continuidade e geram laços de conexão. Isso, segundo Alejandro, pode ser constatado claramente em Medellín.
Essa convergência também é defendida pelo arquiteto Jorge Jáuregui. Para ele é preciso articular vários fatores, e um dos principais é o Urbanismo com a Economia, pois a favela ou os bairros colombianos existem porque não há recursos – renda e trabalho – suficientes para todos. “Urbanismo e Economia têm que andar juntos no século XXI, e essa convergência tem que ser buscada pensando ao mesmo tempo nas consequências físicas das nossas intervenções, dos nossos projetos e simultaneamente como isso pode gerar maiores vínculos sociais”.
A intervenção dos arquitetos nas favelas, segundo Alejandro, deve ser dar com um olhar diferenciado. “Esses espaços não podem ser tratados como ilhas ou lugares com uma condição muito diferente, mas sim, como um território que está em transição de melhora para de alguma maneira poder se conectar e se integrar com os processos sociais e econômicos mais formais da cidade”.
Os arquitetos e urbanistas são vistos nesse contexto por Jorge Jáuregui como articuladores das diferenças e, por isso, precisam aprender muito com elas. “O arquiteto é uma das poucas profissões generalistas, mas precisa estar atento em tudo o que acontece na sua e nas outras sociedades que formam parte da contemporaneidade”.
Para o momento pós-pandemia, o arquiteto Jorge avalia ser fundamental a classe repensar os conceitos e as práticas, porque a partir do confinamento surgiram novas demandas e questões, tanto individuais quanto coletivas – nos espaços habitacionais, de trabalho e urbano – que precisam de nova conceitualização. “Nós arquitetos não construímos conceitos, utilizamos os que vem dos campos da filosofia e da psicanálise. Então, temos que nos apropriar dos novos conceitos para pensarmos essa realidade multiplamente complexa que de repente se tornou mais visível e aproveitar isso para avançarmos destemidos das consequências, com curiosidade e paixão”.
A imensa capacidade de solidariedade foi um ponto positivo da pandemia da Covid-19 apontado por Alejandro Echeverri. “Em muitos bairros populares sem o apoio dos vizinhos e do povo, muita gente teria enfrentado momentos muito mais difíceis. Pensando positivamente, acredito que temos uma capacidade maior de acelerar e focar os processos de mudanças relacionados com o consumo da cidade, a forma como nos movemos nela, o que comemos e a nossa capacidade de produzir transformações. Para isso, precisamos estar conectados”.
Favela-Bairro Fernão Cardim, Rio de Janeiro
Complexo de Manguinhos – PAC/UAP, Rio de Janeiro
Metrocabos – Sistema de transportes por cabos em Medellín (à direita)
Medelllin: Museu de Ciência e Tecnologia instalado num grande parque público
CONSULTE: COBERTURA ESPECIAL DO UIA2021RIO