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Um presente de ano novo – por Luiz Janot, conselheiro eleito do CAU/BR

A história da humanidade apresenta uma variedade impressionante de formas de organização espacial. Desde as primitivas aldeias do Oriente até as metrópoles dos dias de hoje, não faltam exemplos para melhor compreender a evolução das cidades. O período mais expressivo das transformações urbanas ocorreu durante o século XIX, quando Paris e Londres realizaram importantes obras para adequar os seus territórios às demandas dos novos meios de produção e à crescente migração populacional do campo para a cidade.

 

Na primeira metade do século XX, diante da expansão do capitalismo industrial e financeiro, o mercado imobiliário voltou os seus interesses para a construção de grandes edificações empresariais e residenciais. Nova Iorque e Chicago foram as cidades americanas que melhor absorveram a tendência de ocupar os seus centros urbanos com gigantescos arranha-céus. Com o passar do tempo, esse modelo de edificação se tornou em um símbolo de poder e de prosperidade.

 

De lá pra cá muita coisa mudou. Novos conceitos de arquitetura e de urbanismo foram estabelecidos e as cidades se transformaram, para o bem e para o mal, nos exemplos que conhecemos atualmente. De uma maneira geral, as benfeitorias urbanas privilegiavam a abertura de ruas para atender ao vertiginoso crescimento da indústria automobilística.

 

Neste contexto, as grandes cidades brasileiras passaram a conviver com uma forte especulação imobiliária e, consequentemente, a estética urbana foi sendo relegada ao segundo plano. A perda da qualidade arquitetônica e urbanística se tornou um fato evidente e incontestável. Basta comparar a maioria das construções recentes com os magníficos exemplares da arquitetura moderna, projetados por renomados arquitetos brasileiros, durante as décadas de 1930 a 1960. O conjunto de edifícios do Parque Guinle, no Rio de Janeiro, é um exemplo insofismável dessa constatação.

 

Portanto, atribuir a perda de qualidade arquitetônica a uma suposta incompetência dos arquitetos, dos engenheiros, dos construtores e dos operários é uma afirmação leviana que ignora os ditames do mercado imobiliário e outros fatores que interferem na produção das nossas edificações. Infelizmente, no Brasil a arquitetura e o urbanismo não possuem a mesma relevância que em outros países. É triste verificar a precariedade das construções informais e o desleixo como são tratados os nossos espaços públicos.

 

Convencer empresários, construtores e autoridades públicas da importância da elaboração de projetos completos e detalhados tem sido uma tarefa extenuante para os arquitetos brasileiros. Geralmente, as empresas da construção civil preferem iniciar as obras utilizando os indefectíveis “projetos básicos” – nomenclatura espúria que qualificou o anteprojeto como uma espécie do projeto simplificado. Esse desvio profissional se deve, em parte, ao respaldo dado pela Lei das Licitações (Lei 8666/2003) que considera essa modalidade de projeto o suficiente para começar a obra.

 

Dessa forma, a elaboração do “projeto executivo” – projeto arquitetônico completo e projetos técnicos complementares – passou a ser de responsabilidade exclusiva da empreiteira vencedora da licitação. É obvio que elas irão executar os projetos de acordo com os seus interesses e conveniências, alterando, muitas vezes, o próprio projeto idealizado. Esse tipo de expediente se reflete na má qualidade da obra executada, nos reajustes constantes de preço, nos sucessivos aditivos contratuais e no elevado custo da construção.

 

Reagindo a essa prática comprometedora da arquitetura e do desenvolvimento urbano das nossas cidades, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), neste momento, estão empenhado em convencer os parlamentares a fazer os ajustes necessários na Lei de Licitações que tramita no Congresso Nacional. Esperamos que o resultado dessa luta venha se transformar em um valioso presente de Ano Novo para os arquitetos brasileiros e para um futuro melhor das nossas cidades.

 

Luiz Fernando Janot, arquiteto e urbanista – “O Globo” de 20/12/2014

 

 

Publicado em 22/12/2014.

2 respostas

  1. Cidades pequenas como Canela-RS detém melhor qualidade de vida. Verifica-se que a profissão de Arquiteto é ascendente em cidades que tem uma vocação turística e assim uma gama de profissionais e projetos mais elaborados tornam-se quase que indipensáveis.Hoje caminha-se por calçadas com mosaicos de basalto que tornaram-se um padrão na região, fruto do trabalho minucioso de Arquitetos e Urbanistas.Com uma visão mais positivista buscando a qualidade final que é bom para todos ligados ao Turismo, verifica-se que ajustes nesta Lei são necessários, para que a qualidade final do espaço urbano, público enfim seja também um espaço de qualidade em detrimento aos demais interesses de “lucratividade” permanece o trabalho e profissionalismo em 1º Plano, que acredito hoje ser uma vontade que possa alcançar as leis a nível federal.

  2. Prezado Janot, o tema do seu artigo possui extrema relação com o rumo de nossas cidades. Elas de fato têm resultado em grande parte, da nossa atuação, dos nossos projetos e ideias, ora como Arquitetos, ora como Urbanistas. Como você diz, ‘para o bem e para o mal’, já que ao mesmo tempo em que somos premiados aqui dentro, como reconhecidos e copiados lá fora, convivemos ainda no Brasil com a manipulação do projeto, com as pressões do maior lucro, como menciona a colega, com as urgências – ainda que haja aquelas pontualmente justificáveis – com a segregação espacial, coisas concretas e históricas, contra as quais o Arquiteto e Urbanista ainda parecemos uma espécie de Dom Quixote. Incluiria nessa mesma luta o Engenheiro Civil e todos os profissionais contíguos a nós. Há muito o que propor e discutir com a sociedade e com nossas autoridades. Certamente por isso tudo é que construímos o CAU. Parabéns pelo artigo!

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