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“Universidade na berlinda”, artigo de Luiz Fernando Janot

 

A mídia globalizada extrapolou o seu papel original para se transformar em um dos principais instrumentos responsáveis pelas transformações culturais que acontecem no mundo contemporâneo. Na velocidade com que os fatos circulam pelos meios de comunicação nem sempre é possível uma reflexão mais apurada dos acontecimentos. Observados com superficialidade, costumam despertar sentimentos antagônicos que vão muitas além dos limites da razoabilidade.

 

Nos debates sobre a educação no Brasil essa questão vem recebendo uma atenção especial. Há consenso em torno de se neutralizar a atual tendência à superficialidade por meio do incentivo a uma postura mais reflexiva no processo de aprendizado. A quantidade de informação disponível nas diversas plataformas digitais indica a necessidade de se ampliar, efetivamente, as bases de formação cultural dos alunos e professores.

 

O que ensinar e como ensinar se tornou um tema recorrente nas discussões acadêmicas. No âmbito do ensino universitário, a baixa formação do futuro profissional tem sido objeto de preocupação, principalmente diante da abertura indiscriminada de instituições de ensino superior. Quando se transformou o diploma universitário em suposto passaporte para a ascensão social, incentivou-se o sonho de obtê-lo a qualquer preço. Nessa perspectiva, as escolas que oferecem condições mais facilitadas de acesso e permanência, evidentemente, se tornaram as principais beneficiadas por essa demanda ampliada.

 

Como agravante, observa-se que alguns desses centros universitários particulares primam pela baixa qualidade do ensino, pela má formação dos professores e pelo mercantilismo se sobrepondo ao espírito acadêmico. Recentemente, vários tiveram o seu registro suspenso por absoluta falta de condições para funcionamento. Na verdade, as universidades brasileiras – públicas ou privadas – atravessam um difícil momento de transição, que exige toda a atenção dos seus dirigentes, do governo e dos órgãos de classe.

 

No que se refere aos arquitetos e urbanistas afirmo que a grande maioria das nossas Instituições de Ensino Superior não está formando profissionais suficientemente preparados para enfrentar, de maneira consistente, os desafios do mundo contemporâneo envolvendo a construção das nossas cidades. Nessas condições, é preocupante assistir o crescimento exponencial do número de alunos que se formam a cada ano. Como lidar com esta questão diante de um mercado incapaz de absorvê-los?

 

Pergunta-se, também, se os professores universitários estão efetivamente capacitados para reformular algumas práticas obsoletas, alterar paradigmas e imprimir novos rumos para a formação profissional? Mas, como exigir uma experiência prática dos professores das universidades públicas se o regime de contratação exige dos mesmos a dedicação exclusiva e o tempo integral na Universidade? Seguindo essa lógica, o professor qualificado nos cursos de arquitetura e urbanismo se tornou aquele que logo após a graduação, ingressa e conclui o mestrado e em seguida o doutorado e o pós-doutorado, sem nunca ter realizado um projeto sequer. Estranho, não?

 

Por outro lado, quase todas as instituições particulares de ensino superior contratam os seus professores pelo aviltante regime de salário-hora. Em consequência, incorporam aos seus quadros um contingente significativo de profissionais recém-formados, geralmente inexperientes, que buscam, além do emprego, um meio de incluir no seu currículo o título de professor universitário. Se a meritocracia burocrática se tornou um entrave para a evolução acadêmica nas universidades públicas, o pragmatismo de resultados imediatos prosperou sem limites no seio da maioria das instituições particulares.

 

Tal realidade só irá mudar de fato quando tivermos uma política educacional que privilegie a formação cultural e a reflexão, ao invés de se limitar à simples transmissão de conhecimentos adquiridos através dos meios de comunicação. A Universidade não pode ser um fim em si mesmo. O seu compromisso com a sociedade é bem maior do que aquele que costumamos exigir.

 

 

Publicado originalmente no Jornal “O Globo”. Reproduzido com a autorização do autor.

Publicado em 28/09/2015.

6 respostas

  1. Quando estudei e me formei discutia muito com os colegas de classe e com os professores, pois sempre achei que nós tínhamos que ser mais arrojados e ter mais conhecimento em desenvolver uma metodologia projetual que tivesse mais consistência.Muito bem colocado essas palavras “Tal realidade só irá mudar de fato quando tivermos uma política educacional que privilegie a formação cultural e a reflexão, ao invés de se limitar à simples transmissão de conhecimentos adquiridos através dos meios de comunicação. A Universidade não pode ser um fim em si mesmo. O seu compromisso com a sociedade é bem maior do que aquele que costumamos exigi”.

  2. falou bem, quando em uma roda de colegas você fala sobre isso, é criminalizado por acharem que você é elitista.

  3. Grande Janot!!! Sempre se posicionando de maneira positiva para o crescimento de nossa profissão. Fui aluna da Universidade Gama Filho em que Janot era diretor de curso. Hoje sou além de arquiteta atuante, professora universitária e vejo esta realidade acontecendo dia-a-dia. É uma pena que nossos governantes entendam que bons profissionais são aqueles que tem títulos. A atribuição de arquiteto professor fica à mercê de informações teóricas, deixando a prática em segundo plano. É uma pena ver isso acontecer… Um grande abraço Janot!

  4. Hoje sou professor universitario tenho mais de 400projetos/obras executados fui contratado por indicacao sua nao tenho mestrado e estao me pedindo insistentemente para faze-lo mesmo que seja em tecnica de volei se nao, nao poderei continuar dou aula de construcao coisa que faco desde 15 anos de idade como peso concordo plenamente com voce em tudo o esquema hoje e um finge que ensina e o outro finge que aprende.

  5. Pequena contribuição: projeto bom é projeto bonito. Renderização é tudo hoje em dia. Inclusive academicamente.

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