V. Economia urbana: questões e desafios para uma Nova Agenda Urbana
No Brasil, a partir de 2008, observa-se um movimento de formalização das atividades econômicas de pequeno porte (faturamento de até R$ 60 mil) com a criação da figura do microempreendedor individual – MEI (Lei Complementar No. 128, de 19 de dezembro de 2008). Esse movimento teve grande impacto na formalização das relações econômicas na cidade – aproximadamente 50% dos indivíduos que optaram pela figura do MEI não estavam empregados (OLIVEIRA, 2013).
Até setembro de 2014 havia 4,43 milhões de MEI no Brasil, empreendedores que vieram para o mercado formal, assim como seus empreendimentos, comércios e serviços, que caracterizam espaços urbanos produzido, como pequenas oficinas, comércios, serviços em geral, etc. Esses pequenos revelam um forte empreendedorismo e formando um mercado de trabalho de grande relevância.
A economia solidária, que apresenta avanços políticos importantes no campo, começa a desenvolver iniciativas significativas nas cidades. Essa forma inovadora de se pensar o desenvolvimento econômico, de maneira inclusiva, tem como um de seus princípios que a atividade econômica esteja enraizada no seu contexto mais imediato, tendo a territorialidade e o desenvolvimento local como marcos de referência, além de se sustentar na organização popular, no exercício pleno dos direitos e responsabilidades da cidadania. A Secretaria Nacional de Economia Solidaria – SENAES disponibilizou entre os anos de 2011 e 2014 recursos na ordem de R$ 406,9 milhões para desenvolvimento de ações em 2.275 Municípios brasileiros, sendo destes R$ 26,7 milhões para ações, de finanças solidárias, que buscam auxiliar o acesso ao crédito para o público alvo da secretaria (SINGER et al., 2014), R$ 208,8 milhões para ações destinadas especificamente aos catadores de materiais recicláveis, R$ 125,7 milhões para ações integradas de Economia Solidária com Estados e Municípios e R$ 45,7 milhões para ações com Redes de Cooperação Solidária.
O exemplo da economia solidária revela que a busca por efetividade das políticas sociais passa pela compreensão do território. São as condições do urbano, seus constrangimentos e possibilidades que podem inclusive impedir que uma política social se efetive em sua plenitude, podendo parcela de seus benefícios serem “sugados” pelo custo da reprodução social, pela imobilidade social das periferias e dos assentamentos precários, por exemplo.
A organização de empreendimentos solidários, via de regra, significa a ampliação do círculo de relações dos seus associados, permitindo que estes acessem contatos e possibilidades de superação da sua situação de precariedade. Este processo é reforçado quando os empreendimentos se articulam em redes de cooperação solidária, diretriz reforçada pela SENAES, que, nos territórios urbanos, permite a construção de circuitos econômicos entre os empreendimentos econômicos solidários – EESs e demais atores sociais presentes, tornando possíveis a ajuda, a intercooperação e o aprendizado mútuo.
Especialmente no caso das juventudes das periferias urbanas, a formação de redes de cooperação solidária formadas por empreendimentos que atuam na área da cultura tem desempenhado relevante papel no processo de ressignificação dos territórios, propiciando processos de geração de renda a partir da valorização de marcas ligadas à cultura e à identidade territorial, com a realização de atividades culturais e criação de produtos como vestuário, livros e CDs.
Outra vertente da economia urbana trata do financiamento das cidades e, especialmente, do financiamento do desenvolvimento urbano. Neste sentido, cabe destacar as responsabilidades assumidas pelos Municípios brasileiros a partir da Constituição de 1988. No Brasil, de acordo com a Receita Federal (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2012), os Municípios foram responsáveis, em 2012, por apenas 5,79% da arrecadação total de tributos, enquanto os Estados arrecadaram 25,16 % e a União, 69,05%.
Melhorar o financiamento local/municipal
De maneira geral os Municípios brasileiros apresentam forte dependência das transferências de recursos dos outros entes da federação. Em 2013 as transferências de Estados e da União contribuíram para o custeio de cerca de 72% da despesa total dos Municípios (Tabela 37). A participação das transferências é tanto maior quanto menores são as cidades. Assim, nos Municípios de mais de 5 milhões de habitantes, a dependência de recursos da União, Estado e outras fontes para suas despesas é menor, representando 41% do custeio. No outro extremo, os Municípios com menos de 100 mil habitantes receberam transferências que representaram 87% de sua despesa total. Nesta faixa populacional, as transferências foram ainda maiores aos Municípios das regiões Nordeste e Norte (93% e 91%, respectivamente).
Analisando a arrecadação própria no período de 2002 a 2013, observa-se um incremento para todos os portes de Municípios nas regiões do Brasil. E na medida em que aumenta o porte da cidade há um incremento do indicador da capacidade municipal de custeio e investimento (Tabela 38).
Nesse cenário, é necessário incentivar a utilização de fontes alternativas para o financiamento das cidades brasileiras, de forma a empoderar os Municípios com alternativas para o seu custeio e para os investimentos no desenvolvimento urbano. Tanto o Código Tributário Nacional quanto o Estatuto da Cidade estabelecem instrumentos progressivos para tributação e captura de valorizações fundiárias e imobiliárias, como o Imposto sobre a Propriedade Territorial e Urbana – IPTU, o IPTU progressivo no Tempo, a contribuição de melhoria, a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, entre outros. Contudo, as aplicações que demonstram efetividade de tais instrumentos ainda são poucas no território, conforme conclusão da Rede de Avaliação dos Planos Diretores Participativos (SANTOS JUNIOR; MONTANDON, 2011).
Com o objetivo de aumentar a capacidade de financiamento local, deve-se:
- realizar a alocação de recursos e subvenções e transferências intergovernamentais de forma mais equânime e equitativa, de modo a reduzir as desigualdades urbanas e regionais e disciplinar a criação de novos encargos e atribuições aos municípios a fonte de receitas adequadas.
- disciplinar a criação de novos encargos e atribuições a fonte de receitas adequadas
- realizar tributação imobiliária progressiva e a captura das valorizações fundiárias e imobiliárias.
- investir na infraestrutura dos fiscos, das áreas relacionadas ao planejamento e despesas dos municípios mediante a aquisição de equipamentos, desenvolvimento/aquisição de sistemas, ampliação dos quadros de servidores e capacitação contínua dos funcionários.
- promover cobrança progressiva dos serviços públicos, distinguindo públicos específicos relacionados à vulnerabilidade, seja de renda, etária, gênero etc.
- implementar sistemas integrados para o gerenciamento da administração pública, que integrem a gestão tributária e financeira que favoreçam a operacionalidade, efetividade e economicidade.
- implementar sistemas para compartilhamento de informações fiscais e de gestão, contribuindo para a eficiência da arrecadação e do gasto público, em especial o cadastro técnico multifinalitário.
- capacitação dos servidores públicos municipais para lidar com os temas relacionados ao financiamento local
- implantar ferramentas que permitam o controle social das receitas e despesas públicas.
- proceder a efetiva cobrança de receitas tributárias e não tributárias para o incremento da arrecadação, adotando-se os critérios de capacidade econômica do contribuinte.
- desonerar ou reduzir a carga de tributária, dentro da sua função extrafiscal dos tributos, para a regulação de mercados, fomentar setores estratégicos, geração de novos postos de trabalho a partir da atração de novos investimentos e regulação do mercado imobiliário.
As alternativas propostas para alavancagem da capacidade de financiamento municipal em muito dependem da capacidade técnica da administração pública local que, em grande parte dos Municípios, carece de recursos humanos capacitados e experientes na implementação de políticas públicas urbanas.
A articulação dos governos locais se apresenta como pratica relevante na melhoria da capacidade de gestão das cidades. A Associação Brasileira de Municípios (ABM), a Confederação Nacional de Municípios (CNM) e a Frente Nacional de Municípios (FNP), são três das principais entidades representativas das cidades que atuam em pautas especificas ou conjuntamente com esse objetivo.
A FNP, por exemplo, observou fenômeno específico que envolvia municípios populosos com baixas receitas e grande parcela da população em situação de vulnerabilidade. Foi então criado, a partir de 2009, o g100, grupo de municípios com mais de 80 mil habitantes e índices sociais bastante abaixo das medias nacionais, para os quais ações de capacitação em desenvolvimento econômico, qualificação profissional e microcrédito foram desenvolvidas com apoio da União Europeia (2013- 2015) e parcerias com o setor público federal (114 entre os 385 Municípios Brasileiros com mais de 80.000 habitantes apresentam as características definidas).
Fortalecer e facilitar o acesso ao financiamento habitacional
A segunda metade da década de 1990 foi marcada pela retomada da regulação do Estado na política habitacional. Naquele momento foi elaborada a nova Política Nacional de Habitação (PNH/96), posteriormente revisado em 2004 sob a gestão do Ministério das Cidades, que tinha como princípios, entre outros, a criação de novas fontes de financiamento e a manutenção do equilíbrio econômico- financeiro do Sistema Financeiro da Habitação – SFH.
Os programas de habitação criados naquele momento compreendiam fontes de financiamento tradicionais – o Programa de Apoio à Produção, o Programa de Demanda Caracterizada (PRODECAR) e o Programa Carta de Crédito (concessão de crédito pelo agente financeiro ao mutuário final) – e fonte de receita própria – Programa de Arrendamento Residencial (PAR) e respectivo Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) bem como financiamento a juro subsidiado ou fundo perdido – Pró-Moradia, com recursos do FGTS, e o Programa Habitar-Brasil, com recursos do Orçamento Geral da União (OGU), ambos direcionados à urbanização de assentamentos precários para fins habitacionais, regularização fundiária, produção de lotes urbanizados e novas unidades habitacionais.
Entre 1999 e 2002, o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), criado para atender a população na faixa de renda de 0 a 6 salários mínimos e, prioritariamente, a população das RMs, foi responsável pela construção de 88.549 unidades habitacionais, das quais 48% no Sudeste e 31% no Nordeste. A partir de 2000, o público-alvo do programa foi ampliado, atendendo à população das capitais e Distrito Federal, e Municípios com mais de cem mil habitantes, após 2001 (CARMO, 2006).
Nos últimos anos, o crescimento dos recursos disponibilizados para financiamento habitacional foi notável no Brasil. Os recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), destinados às famílias de renda média e alta cresceram 1956% entre 1998 e 2013 (Tabela 39 e 40), considerando-se a soma de recursos para construção e aquisição de moradias. No período 2011- 2014, o valor previsto do SBPE, de R$ 176 bilhões, foi em muito superado, tendo sido concedidos financiamentos no valor de R$ 360 bilhões, beneficiando 1,91 milhões de famílias.
Contudo, imóveis financiados pelo SBPE têm características que dificilmente podem ser consideradas como habitação social, tendo em vista o perfil do público alvo, o valor do imóvel e a renda das famílias. Por sua vez, os recursos destinados pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), para aquisição de imóveis com o valor máximo de R$ 500 mil, ou seja, para famílias com renda média e média-baixa tiveram aumento de 816% no período entre os anos de 2002 e 2013, passando de R$ 5,817 bilhões (valor original de 3,074 bilhões atualizado pelo IPCA) para R$ 47,5 bilhões alocados em habitação. Para o ano de 2015, o orçamento do FGTS, destinado à concessão de financiamentos habitacionais a pessoas físicas ou jurídicas, que beneficiem famílias com renda de até R$ 3.750,00, será de até R$ 28,8 bilhões.
Além dos financiamentos propriamente ditos, o FGTS também destina subsídios, sob a forma de descontos nessas operações, dando sequência à atuação iniciada em 2004, com a Resolução nº 460 de seu Conselho Curador, que alterou a política de concessão de subsídios, beneficiando as famílias de baixa renda. Em 2013 o total de descontos relativos às operações financeiras foi de aproximadamente R$ 8 bilhões para famílias com rendimentos de até R$ 3.275,00. E, para 2015, a aplicação de descontos para aquisição de imóveis urbanos enquadráveis no Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) está fixada em R$ 7,5 bilhões.
Por fim, o marco mais importante, no sentido de ampliar a concessão de subsídios às famílias de mais baixa renda (até R$ 1.600 mensais), utilizando recursos do Orçamento Geral da União, foi o lançamento do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) em 2009. O Programa apresenta-se como um grande guarda-chuva que passou a englobar as diversas iniciativas do governo federal para produção e aquisição de habitação. Seus subprogramas e modalidades se adequam à diversidade da demanda habitacional, levando em consideração, sobretudo, a faixa de renda familiar dos beneficiários, grupos prioritários, característica da área (urbana ou rural) e o tamanho do Município.
Desde seu lançamento, foram investidos mais de R$ 240 bilhões em subsídios para produção e aquisição de moradia, dos quais pelo menos um terço atendeu às famílias com renda até R$ 1.600,00. Nas modalidades operadas por meio do Fundo de Arrendamento Residencial e do Fundo de Desenvolvimento Social, que atendem especificamente essa faixa de renda, o MCMV destina subsídios que podem chegar a 95% do custo de produção das unidades habitacionais. Balanço do PAC 2, até o ano de 2014, Programa Minha Casa, Minha Vida contratou 3,7 milhões de moradias e entregou 1,87 milhão de unidades (BRASIL, 2014d).
Entende-se dessa forma que no último período (2007, PAC; 2009, MCMV) houve extraordinário avanço no tema, marcado fundamentalmente pelos programas e investimentos, além de todo o aprimoramento do marco legal iniciado em 2003, que possibilita que atualmente os recursos destinados sejam efetivamente executados, garantindo segurança jurídica às incorporações imobiliárias, por exemplo.
Um dos desafios, no contexto dos avanços na possibilidade de adquirir um financiamento habitacional, é consolidar uma política habitacional integrada, que se faça acompanhar do planejamento urbano e dos instrumentos que asseguram o cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade, e da gestão democrática das políticas públicas.
Na atual conjuntura de grandes investimentos em infraestrutura logística e urbana do país, o deslocamento involuntário de famílias para viabilização de projetos e obras ganha destaque no debate nacional sobre a garantia do direito à moradia, especialmente das famílias de baixa renda.
É nesse contexto que o GT “Moradia Adequada”, criado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, instituiu o subgrupo “Megaeventos e megaprojetos de grande impacto urbano e social”. Como proposta metodológica, definiu a visita a algumas comunidades afetadas, em cidades que possuíam grandes projetos de infraestrutura, para extrair um panorama nacional e contribuir com o debate por meio de recomendações às instituições e governos em suas diversas esferas.
Foi definida uma amostragem nacional de 5 (cinco) grandes cidades a serem analisadas pelo Grupo de Trabalho para a elaboração de recomendações. Para a definição destas 5 (cinco) cidades foram conjugados dois critérios: o dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa sobre as Situações de Violações dos Direitos Humanos e as indicações dos representantes das organizações e fóruns da sociedade civil integrantes do GT de casos de relevante impacto social sobre o direito humano à moradia adequada.
Com base na conjugação destes critérios foram definidas as seguintes cidades para a realização das missões do Grupo de Trabalho nas cidades de Fortaleza/CE, Curitiba/PR, Porto Alegre/RS, Belo Horizonte/MG, Rio de Janeiro/RJ e São Paulo/SP.
O GT pôde apontar uma série de semelhanças tanto com relação às características dos impactos sobre os direitos humanos à moradia adequada como da forma de atuação dos Poderes Públicos nos locais visitados. Independente de estar associado a megaeventos ou megaprojetos, o impacto sobre o direito humano à moradia adequada é decorrente da própria atuação dos Poderes Públicos no processo de implantação de obras de infraestrutura e qualificação urbana, ou da inação deste no enfrentamento dos passivos urbanos e déficit habitacional instalado em seu território.
Após a realização do Relatório Final o então Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana emitiu recomendações aos órgãos do governo federal, estados e municípios competentes, no intuito de garantir os direitos de moradia adequada à população atingida.
Apoiar o desenvolvimento econômico local
Um indicador que pode traduzir a dinâmica econômica local, no que se refere a investimentos no ambiente construído, é o percentual de empregos no setor da construção (Tabela 41). No período entre 2000 e 2010, o Brasil manteve o nível de empregos na construção civil: o percentual de ocupados neste setor variou pouco e para cima, de 7,2% a 7,4%. Em números absolutos o crescimento é expressivo, entre 2006 e 2013, segundo a RAIS, mais que dobrou o numero de empregados, passando de 1,4 para 2,9 milhões de empregados na construção civil. Examinando-se a variação dos empregos por região, nota-se que os maiores avanços ocorreram no Norte e no Nordeste (de 6,02% a 7,31%, e de 6,28% a 7,4%, respectivamente), ao lado de algum recuo no Sudeste (de 7,82% a 7,46%), pouco se alterando nas demais regiões.
Outro indicador, que também reflete o desenvolvimento econômico local, é a evolução do número de micro e pequenas empresas, que cresceu, de 2002 a 2012, de 4,8 milhões para 6,3 milhões de estabelecimentos conforme dados do DIEESE (SEBRAE, 2013).
O desenvolvimento econômico das favelas merece um tratamento individualizado. Nelas, vigora o sentimento de empreendedorismo, a vontade de tornar-se dono do próprio negócio dentro da própria favela. Tal atitude está relacionada ao reconhecimento dos moradores das favelas de que dificilmente conseguirão empregos formais com a remuneração desejada; logo, o empreendedorismo é a forma objetiva encontrada para sair desse processo. Entretanto valoriza-se o emprego formal também na favela, pois há o reconhecimento de que o crescimento econômico e o aumento de renda fruto do crescimento do emprego formal é o que viabiliza os novos negócios (MEIRELES; ATAHAYDE, 2014).
No período recente, houve avanços na legislação que facilitaram a formalização de negócios, via microempreendedores individuais (MEI), resultando em, até fevereiro de 2013, um total aproximado de 2,80 milhões de inscritos (OLIVEIRA, 2013). Contudo, ao lado do reconhecimento da importância dessa forma de enquadramento dos negócios, há o desafio de uma integração entre tais medidas e as políticas tributárias de cada Município, em atendimento, inclusive, às recente alterações promovidas pela Lei Complementar nº 147, de 2014, que proíbe a aplicação de alíquotas do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) mais altas, correspondentes a imóveis comerciais, assim como tarifas de serviços mais onerosas aos imóveis informados como endereços de referência de um MEI, bem como garante a isenção de taxas, emolumentos, e contribuições relativas a órgãos de registro, licenciamento, regulamentação, anotação de responsabilidade técnica e vistoria para esse público.
Nesse sentido o apoio ao desenvolvimento econômico local passaria por replicar no contexto urbanístico os aprimoramentos legais e as políticas que fomentam o empreendedorismo, instituindo tributações e tarifas urbanas adaptadas às condições de renda e de localização dos empreendimentos. Da mesma sorte há que se instituir políticas que assegurem condições dignas para que catadores de materiais recicláveis, ambulantes e demais trabalhadores que exercem suas atividades econômicas nas ruas possam fazê-lo com dignidade, segurança e em respeito à função social do espaço público. Nesse sentido são exemplares as ações de criação dos shoppings populares em Belo Horizonte, a partir de 2002, vinculadas às estratégias de reabilitação da área central da cidade.
Em relação ao segmento de catadores de materiais recicláveis, as ações do Programa Pró-Catador do governo federal são voltadas ao apoio e fomento da organização produtiva do grupo, à melhoria das condições de trabalho e à ampliação das oportunidades de inclusão social e econômica a partir da lógica da economia solidária. Desta forma, as ações seguem a proposta de atuação primeiramente com o catador que atua de maneira individualizada nas ruas ou nos locais de disposição final de resíduos, em seguida para a organização em cooperativas e associações, e por fim a organização em centrais de cooperativas e redes solidárias, gerando escala produtiva e de eficiência.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/10) tem como princípio o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania. Ao aliar o viés social e o ambiental, promove o avanço do desenvolvimento sustentável com geração de trabalho decente e renda para um segmento tradicionalmente marginalizado no ambiente urbano.
Conforme estimativas do IPEA (2013), há cerca de 400 mil pessoas que declararam serem catadores de materiais recicláveis no Brasil, dos quais 10% estão organizados em associações e cooperativas. Os catadores são responsáveis pelo direcionamento de 90% dos materiais recicláveis do país, e segundo o IPEA (2010), os benefícios econômicos e ambientais gerados pela reciclagem estão entre R$ 1,4 bilhão e R$3,3 bilhões anuais, conforme exercício realizado a partir de dados dos totais efetivamente reciclados pela cadeia da reciclagem e estimativas sobre a coleta seletiva. Isso significa que há potencial para aumento destes benefícios.
Criar empregos e meios de vida decentes
O trabalho pode ser visto como poderosa via de inclusão social, uma vez que compreende porcentagem significativa da renda das famílias. Deve-se considerar que o trabalho, entendido de maneira genérica pode ser fonte de reprodução de desigualdades, sendo necessária, portanto, a promoção do trabalho decente, o qual, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2014), é o trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, sem quaisquer formas de discriminação e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem dele (OIT, 2014)
No que concerne à promoção do trabalho decente no Brasil, cabe destacar a construção da Agenda Nacional de Trabalho Decente, lançada em 2006, o Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente, de 2010, e a realização da I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente, em 2012, a qual discutiu a necessidade de se fortalecer as políticas locais de trabalho, emprego e renda, como fonte de desenvolvimento local, inclusão social e diminuição das assimetrias entre as regiões. Registre-se ainda o lançamento, em 2014, pelo Escritório Regional da OIT no país, do Sistema de Indicadores Municipais de Trabalho Decente, que permite a identificação das oportunidades e dos desafios particulares de cada um dos 5.565 municípios brasileiros nesse âmbito.
Contudo, nota-se nas cidades brasileiras a presença das mais diversas formas de trabalho informal em vários setores da economia urbana. Nesse sentido é necessário reconhecer que o trabalho informal é fundamental para a sustentação de parcela importante dos moradores da cidade e da cidade em si mesma, podendo ser considerado como mecanismo de adaptação às condições precárias da urbanização, expressas na falta de endereço residencial, por exemplo, e na consequente dificuldade de acesso ao crédito.
Entretanto, 53% dos moradores de favelas têm emprego formal, o que é compatível com o crescimento da formalização dos empregos verificada no Brasil, nos últimos anos. O indicador que divide o número de pessoas ocupadas no mercado formal pelo número de pessoas economicamente ativas (Tabela 52) mostra uma evolução de 55% em 1996, para 60% em 2006 e 69% em 2013. Nas RMs, a percentual é ainda maior, chegando em 2013 a 77%.
A presença de trabalho infantil (Tabela 42), medida pelo número de crianças e adolescentes que trabalham, dividido pelo número total de crianças e adolescentes (de 10 a 17 anos). Neste caso, o indicador caiu de 23,89% em 1996, para 17,55% em 2006 e 11,51% em 2013. As RMs sempre tiveram menor percentual de crianças que trabalham, caindo a 7,3%, em 2013.
Integrar a economia urbana na política nacional de desenvolvimento
Em 2007 foi formulada a Política Nacional de Desenvolvimento Regional, que tem como objetivo a redução da desigualdade regional, entendida como um entrave ao processo de desenvolvimento do país. Essa política estratificou o território em espaços sub-regionais baseados no rendimento médio e no PIB per capita, agrupando as regiões conforme a seguinte classificação: alta renda, dinâmicas, estagnadas e de baixa renda. Programas e ações foram desenvolvidos para atuação nesses territórios tendo como premissa o objetivo da PNDR.
Observando a evolução do PIB como uma medida do desenvolvimento, a evolução anual do indicador foi distinta entre as microrregiões da PNDR. Considerando o período anterior à PNDR (1999-2006) e o período posterior (2006 – 2012), o crescimento foi identificado em praticamente todas as categorias, com exceção das microrregiões dinâmicas, que apresentaram uma taxa de crescimento menor que a do período anterior (Tabela 43). As microrregiões dinâmicas são caracterizadas por territórios de médios e baixos dinamismos, mas com dinâmica econômica e baixo grau de urbanização (57,9%).
Cabe apontar que talvez não haja uma relação causal entre as ações da PNDR e o crescimento do PIB, podendo em parte ser efeito do crescimento macroeconômico observado no Brasil nesse período e não decorrência de uma política pública voltada para este fim.
Nesse sentido, cabem reflexões estratégicas quanto a articulação da economia local e as estratégias globais de desenvolvimento nacional. À articulação no âmbito federal dos seus diversos programas e instituições como esforço de ação territorial da política pública, como é o caso da experiência dos Territórios da Cidadania, devem somar-se inovações que lidem com a realidade local de inclusão social e econômica nas cidades.