O Palácio Gustavo Capanema não é mais um entre tantos prédios vazios no centro do Rio. É um prédio tombado, de arquitetura sofisticada e acervo valioso, que desde 2011 passa por restauração e modernização. Por que tanto tempo? Porque a obra é complexa e os recursos são garimpados ano a ano no orçamento da União. Parece estar próxima da conclusão e, se somado todo o período, pode ter custado 120 milhões de reais.
Nas etapas iniciais, a obra foi realizada com o prédio em funcionamento. Temia-se deslocar os acervos e, mais ainda, que uma saída prolongada levasse ao que estamos enfrentando agora. Não deu outra… Quando a obra se avolumou, foi inevitável sair para um prédio alugado na região portuária. No caso do Iphan, o maior tesouro abrigado pelo Capanema (hoje provisoriamente no porto) é o Arquivo Central e a Biblioteca Noronha Santos, ou seja, a memória da política de patrimônio, das obras, decisões, achados históricos desde a fase de “redescoberta” do país pelos modernistas, documentos de trabalho de funcionários e intelectuais de uma época em que o país parecia que ia dar certo, no campo da cultura com certeza…
A Biblioteca Nacional também mantinha lá sua Biblioteca de Música, acervo e ambiente que registram a política de educação musical do governo Vargas, conduzida por ninguém menos que Heitor Villa Lobos, e cujo quartel-general era o então Ministério da Educação e Saúde. Com a restauração, acervos e funcionários, do Iphan e demais órgãos vinculados à Cultura, se deslocaram para prédios alugados.
Entenda-se: este não é um prédio vazio, mas esvaziado para a execução de uma obra que se orientou por uma proposta de uso futuro. O projeto de uso prevê atividades em sua maioria abertas ao público, em boa parte rentáveis, como um café panorâmico na cobertura, salas de treinamento nos pavimentos superiores, auditório, Sala Sidney Miller, galeria de arte no mezanino, loja no pilotis, locais adequados e acessíveis para os acervos e um projeto de exibição desses acervos e das obras de arte e design integradas à arquitetura.
O Capanema é a primeira lição que se aprende na escola sobre o que é o Movimento Moderno na arquitetura, ousadia e inovação que resultaram da intenção de se projetar o país internacionalmente, para além do exotismo e da natureza. Um time da pesada, liderado por Lucio Costa e com a participação de Niemeyer recém formado, projetou o edifício.
Não por acaso, Lucio Costa e Niemeyer são também os autores de Brasília. Sem o Capanema e sem a política de cultura e patrimônio que se concebeu e executou ali dentro, não existiria Ouro Preto, não existiria Salvador, a Pampulha, nem mesmo Brasília! Todas elas teriam se tornado esse mar do provisório e do efêmero, sem memória, sem alma, sem arte, como é a maioria das nossas cidades. Por tudo que materialmente ele é e pelo que se fez ali dentro, o Capanema é um dos símbolos do país, e símbolos não se vendem, a não ser que o que se deseja seja exatamente destruí-los.
É preciso dar destinação aos imóveis públicos e a venda é apenas uma das possibilidades, desde que inserida em alguma estratégia. E, no caso, a estratégia parece estar de ponta-cabeça, talvez por ser mais fácil começar pelo que já está resolvido: um prédio restaurado, bem localizado e sem problemas fundiários.
Esse tesouro, ao invés de se tornar mais um em um mercado saturado de imóveis vazios, seria muito mais eficaz se tratado como fator de estimulo à valorização econômica do seu entorno. Ou seja, parece que o preconceito com o que é público, especialmente no campo da cultura, está levando a se trocar uma solução por um problema: para arrematar o projeto em curso, falta apenas um modelo de parceria visando à sua gestão (não confundir com venda) medida que, de imediato, nos daria a alegria de devolver aquele espaço a um país tão farto do baixo astral, da grosseria e das más notícias!
Jurema Machado, arquiteta, ex-presidente do Iphan
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